Paradoxo da corrida

O despertador toca às 05:59 da manhã de um sábado chuvoso e eu hesito em levantar diante dos fortes argumentos que corroboram a opção de ficar no quentinho da cama a sair correndo feito louco, na manhã fria, úmida e solitária que me reserva a paisagem de minha janela.

Convenhamos, embora os especialistas cansem de dizer que o nosso corpo foi feito para o constante movimento, as nossas células tentam contradizê-los, deixando claro que a prática regular de exercícios vai de encontro a natureza humana.

Também pudera! Pura herança genética. Em tempos mais remotos seria inconcebível e insano imaginar um exibido homo sapiens sair para uma corridinha matinal de 10 Km, antes do desjejum de javali que o aguardava na fogueira. O normal mesmo seria esperar que ele se preservasse ao máximo para momentos de grande estresse: fugir de predadores ou correr atrás de comida, ambas ações necessárias para perpetuar a espécie.

Na verdade, o corpo humano se moldou, ao longo dos tempos, para ser esta espetacular máquina de otimização de energia que é hoje. Se ficarmos ligados no “automático” o que mais nos parecerá natural será comer exageradamente e afundar no sofá, na frente da TV, economizando energia à espera de algum evento que nos exigiria o máximo esforço.

Só que, como um paradoxo, com alguns de nós, as coisas não funcionam bem assim. Quando lembro da sensação de liberdade que sinto quando estou correndo, dos cheiros e das imagens colecionadas pelo caminho, pulo da cama e esqueço a preguiça! É de se perguntar: será que a “estranha” turma da corrida estaria imune à perversa lógica do “não movimento”? Parece que, de certa forma, sim. Tudo o mais passa a ser secundário quando o assunto é correr!

Costumo brincar e dizer que existem dois grupos bem definidos: aqueles que amam correr e aqueles que não sabem correr. Isso, porque quem começa a correr sem que esteja minimamente preparado para isso, sente desconforto e desprazer, além de se expor a lesões e outros males. Vai logo dizer: “…não gosto de correr!…”.

Infelizmente, tem coisa que não se encontra na prateleira de uma loja. O condicionamento para correr é uma delas. Além disso, é muito difícil explicar com palavras a sensação experimentada por quem corre. O fato é que, mesmo saindo indisposto para correr, bastam alguns minutos de corrida para que as endorfinas façam o trabalho de alegrar e encher de disposição o seu dia.

Mas, a corrida é um esporte que, apesar de democrático, exige planejamento e respeito às etapas pelas quais deverá passar o seu corpo, em preparação. A orientação permanente de especialistas (médicos e preparadores físicos) também é indicada para que o futuro corredor dê passos seguros em direção à sua nova vida. Prudência e perseverança são ingredientes indispensáveis nesta fase, sem esquecer de que quem pretende correr, deve sempre começar andando.

Vivemos em um ambiente cada vez mais estressante e competitivo. Estatísticas nos têm evidenciado que a sociedade moderna tem sido acometida por um substancial aumento de doenças relacionadas ao sedentarismo e à obesidade que somente o exercício regular e a ingesta alimentar qualificada poderia evitar.

Nada mais oportuno do que a escolha de um meio de vida em que se possa se manter saudável e em forma, sem regimes da moda ou exercícios de final de semana. E, por ser o esporte adequado para que se atinjam tais objetivos, a corrida tem se popularizado de forma impressionante em todo o mundo.

O meu desejo é que, cada vez mais corredores “invadam” nossas ruas, alegrando nossas cidades. Quero ver gente mais feliz e saudável, contrariando os alarmantes números de saúde pública, provocados pelos maus hábitos de vida.

O mais difícil talvez seja dar o primeiro passo em direção à mudança. Mas, feito isso, quando menos esperarmos, estaremos brigando pelo tênis de corrida e, não, pelo controle remoto.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 2, AGOSTO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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Lições de ídolo

Uma de minhas boas lembranças da infância era a de meu pai, no café da manhã, vestido com um impecável terno, dividindo sua atenção entre o pão com manteiga e a sagrada leitura do jornal, enquanto mexia de forma ritimada, o seu café com leite. Lembro da segurança e da tranquilidade que aquela imagem me passava. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Enquanto via a cena, era impossível deixar de pensar: quero ser igual a ele.

Não sei quantas vezes, ao longo de minha vida, me vi agindo como meu pai. Não posso afirmar, exatamente, qual grau de influência a sua figura exerceu sobre as minhas escolhas, mas reconheço a enorme importância de termos alguém em quem nos espelhar, dentro ou fora de casa.

No esporte, esta premissa parece óbvia demais. Uma juventude sem ídolos, não consegue ser impulsionada por exemplos e, assim, tem poucas chances de gerar bons frutos, ou seja, craques que venham a se tornar novos ídolos, no futuro.

E foi sob a admiração de seus mais inesquecíveis ídolos que o esporte brasileiro ganhou destaque no cenário mundial. Fico pensando o bem que Pelé, Zico, Ayrton Senna, Oscar, Guga e tantos outros fizeram ao imaginário de inúmeras crianças que tiveram a felicidade de optar pelo esporte, a trilhar pelo amargo caminho das ruas, tudo por conta do amor que tinham por seus ídolos.

No âmbito profissional, não é diferente! Foram muitos os profissionais que figuraram em minha lista de exemplos a seguir. Tanto no aspecto técnico, ético e humano, tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos daqueles que hoje, sem dúvida, considero meus ídolos da profissão.

Na área contábil, o maior deles foi Antônio Lopes de Sá. Um gênio das ciências contábeis e da humildade, que lia meus artigos e dizia: “…Parabéns! Você tem muito talento. Continue assim mas, antes, vamos rever alguns conceitos…”. E aí ele, ao seu jeito, sugeria mudanças no meu texto, de uma maneira tão peculiar que, mesmo sendo corrigido, me fazia ficar feliz da vida!…

Certa vez, no início de minha carreira, conheci Elmo Lopes da Cunha. Respeitado contador e advogado que gostava muito de ajudar os colegas, dando a sua interpretação da lei, pela facilidade maior que tinha com a hermenêutica. Ele era “perseguido” e admirado por todos. Pensei: “…preciso colar nele. Quero ser assim também…”. E, depois, ainda vieram Itamar Silva, José de Lima e tantos outros que dividiram comigo sua experiência e sua amizade.

No direito, também foram muitos os meus exemplos. Lembro do inesquecível Milton Murad que, com sua tenacidade e perspicácia, dava respostas inimagináveis aos problemas que a ele eram apresentados. Também aprendi muito com Oswaldo Bergi. Figura simples e carismática, de jeito manso e que ensinava com exemplos. Mais tarde, veio a se transformar em sinônimo de “direito tributário”, especialidade com a qual até hoje, ganho a vida.

Posso dizer, sem medo de errar, que o sucesso profissional de uma pessoa que não possua ídolos, é muito mais difícil. Da mesma forma, em uma visão mais ampla, reside aí a grave crise de identidade que hoje vive o Brasil. Afinal, não se pode esperar muito do desenvolvimento social e humano de um cidadão que não teve bons exemplos a seguir nem de seus familiares e, muito menos, de seus governantes.

Mas, voltando ao profissional, por ironia da vida, muitos anos depois, acabei sendo agraciado com as Comendas “Elmo Lopes da Cunha” e “Itamar Silva”, as mais altas honrarias capixabas que um profissional da contabilidade poderia desejar. Aqueles que foram meus ídolos e amigos do passado, se eternizaram na estante de meu escritório, como reconhecimento pelo trabalho à classe.

Hoje, quando alguém me pergunta o que deve fazer para ter sucesso profissional, eu nem hesito e vou logo dizendo: primeiro, trate de arrumar alguns bons exemplos para ter em quem se espelhar e, depois, leve muito a sério os estudos.

O exemplo ainda é a melhor forma de ensinar e de formar uma pessoa. Ainda tenho muito a aprender e ídolos a seguir. Mas, pelo que a vida já me deu, sou grato a todos que, direta ou indiretamente, me influenciaram para que eu chegasse até aqui. Em especial, ao meu pai que, mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de ver o que fez por mim, deixou a sua marca indelével na essência de tudo que faço.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 1, MAIO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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