A ansiedade das ruas

(Por Evandro Milet)

Quem assistiu Lincoln, filme que deu a Daniel Day-Lewis o Oscar de melhor ator em 2013, viu a cena onde o Presidente aceita comprar o voto de parlamentares para aprovar a 13ª emenda que aboliu a escravatura. Da mesma forma, as cenas de filmes de Al Capone na década de 1930 apresentam o ambiente corrupto envolvendo sindicatos, polícia e políticos. Aos poucos a sociedade norte-americana foi construindo barreiras a estes procedimentos e hoje a SEC e a justiça americana policiam corrupção no mundo, forçam bancos suíços a abrirem mão do sigilo das contas secretas e derrubam dirigentes da FIFA. Mesmo assim furos permanecem no sistema, seja na esquisita votação de Bush na Florida vencendo Al Gore ou na colocação em 17º lugar no ranking de corrupção da Transparência Internacional em 2014.(Brasil em 69º).

Esses exemplos servem para mostrar que os problemas brasileiros também não vão se resolver de uma hora para a outra. Até a década de 1960, pelo menos, a entrada no serviço público era por pistolão(há quanto tempo você não ouve essa palavra?). A partir da constituição de 1988 as brechas foram fechadas e os concursos públicos proliferaram sem grandes notícias de maracutaias. Antigamente os processos licitatórios eram bem frouxos. Empresas eram escolhidas sabe-se lá como. Hoje você pode reclamar de armações em licitações mas, sem dúvida, está muito mais difícil. Talvez a sensação de quantidade maior de corrupção tenha a ver com o tamanho do bolo que circula na economia brasileira, na liberdade de imprensa, na atuação do Ministério Público e da Polícia Federal, e na estrutura inédita organizada para financiar partidos políticos.

Quem viveu as crises políticas do século XX, o golpismo latente, a ameaça e depois a intervenção militar e as instituições frágeis percebe uma mudança para melhor apesar das reclamações. Mesmo a lembrança nostálgica de políticos gabaritados, debates relevantes e um Congresso de mais alto nível se explica porque antigamente apenas a elite era eleita. O Congresso era ocupado por advogados, médicos, economistas, engenheiros e empresários. Hoje a sociedade se pluralizou e elege sindicalistas, jogadores de futebol, artistas, pastores, radialistas e funcionários públicos. E é bom que seja assim. O Congresso acaba sendo a cara do país e vai melhorar à medida que o país melhore.

Tudo bem que as coisas poderiam ser mais rápidas, mas não existem atalhos. Os avanços vão continuar com mais educação, mais informação e mais eleição (e mais prisão). E boca no trombone.

Link original AQUI.

Sobre a arte de escrever

 (por Paulo Coelho)

“Há dois tipos de escritores: aqueles que fazem você pensar e aqueles que fazem você sonhar”, diz Brian Aldiss, que me fez sonhar por um longo tempo com seus livros de ficção científica. Por princípio, eu acredito que cada ser humano neste planeta tem pelo menos uma boa história para contar aos próximos. O que se segue são as minhas reflexões sobre alguns itens importantes no processo de criação de um texto:

Acima de tudo, o escritor tem que ser um bom leitor. Aquele que se aferra aos livros acadêmicos e não lê o que outros escrevem (e aqui eu não estou falando apenas de livros, mas também blogs, colunas de jornal e assim por diante) jamais irá conhecer suas próprias qualidades e defeitos.

Então, antes de começar qualquer coisa, procure pessoas que estão interessadas em partilhar a sua experiência através de palavras. Eu não estou dizendo: “busque outros escritores”. O que estou dizendo é: encontre pessoas com diferentes habilidades, porque escrever não é diferente de qualquer outra atividade que é feita com entusiasmo.

Seus aliados não serão necessariamente aquelas pessoas que todos olham, se deslumbram, e afirmam: “não há ninguém melhor”. É muito pelo contrário: são as pessoas que não têm medo de cometer erros, e ainda assim eles cometem erros. É por isso que o seu trabalho nem sempre é reconhecido. Mas esse é o tipo de pessoa que muda o mundo, e depois de muitos erros elas conseguem acertar algo que fará toda a diferença em sua comunidade.

Estas são pessoas que não conseguem ficar esperando que as coisas aconteçam antes de decidir qual a melhor maneira de narrá-las: elas decidem enquanto agem, mesmo sabendo que isso pode ser muito arriscado.

Conviver com estas pessoas é importante para escritores, porque eles precisam entender que, antes de colocar qualquer coisa no papel, eles devem ter liberdade suficiente para mudar de direção conforme sua imaginação vagueia. Quando uma sentença chega ao fim, o escritor deve dizer a si mesmo: “enquanto eu estava escrevendo eu percorri um longo caminho. Agora termino este parágrafo com a consciência de que arrisquei o bastante e dei o melhor de mim mesmo.”

Os melhores aliados são aqueles que não pensam como os outros. É por isso que, enquanto você estiver procurando seus companheiros, confie em sua intuição e não dê qualquer atenção para os comentários alheios. As pessoas sempre julgam os outros tendo como modelo suas próprias limitações – e às vezes a opinião da comunidade é cheia de preconceitos e medos.

Junte-se aos que jamais disseram: “acabou, eu tenho que parar por aqui”. Porque assim como o inverno é seguido pela primavera, nada chega ao fim: depois de atingir seu objetivo, você tem que começar de novo, sempre usando tudo que aprendeu no caminho.

Junte-se aos que cantam, contam histórias, aproveitam a vida e têm a felicidade em seus olhos. Porque a alegria é contagiosa, e sempre consegue impedir que as pessoas se deixem paralisar pela depressão, solidão e problemas.

E conte a sua história, mesmo que seja apenas para a sua família ler.

DICAS SOBRE ESCREVER

Sobre Segurança Você não pode vender o seu próximo livro menosprezando o seu livro que acabou de ser publicado. Seja orgulhoso do que você tem.

Sobre Confiança Confie no seu leitor, não tente descrever coisas. Dê uma dica e eles vão preencher com sua própria imaginação.

Sobre Experiência Você não pode tirar algo do nada. Ao escrever um livro, use sua experiência.

Sobre Críticos Alguns escritores querem agradar seus pares, eles querem ser “reconhecidos”. Isso mostra insegurança e nada mais, por favor esqueça isso. Você deve se importar em partilhar a sua alma e não agradar a outros escritores.

Sobre Anotações Se você deseja capturar idéias, você está perdido. Você estará desconectado das emoções e se esquecerá de viver a sua vida. Você vai ser um observador e não um ser humano vivendo a sua vida. Esqueça de fazer anotações. O que é importante fica, o que não é importante vai embora.

Sobre Pesquisa Se você sobrecarregar o seu livro com um monte de pesquisa, vai ser muito chato para você e para o seu leitor. Livros não estão aí para mostrar como você é inteligente. Livros estão aí para mostrar a sua alma.

Sobre Escrita Eu escrevo o livro que quer ser escrito. Atrás da primeira frase tem uma corda que leva você até a última.

Sobre Estilo Não tente inovar as narrativas, conte uma boa história e será mágico. Eu vejo pessoas tentando trabalhar tanto no estilo, encontrar diferentes maneiras de dizer a mesma coisa. É como a moda. O estilo é o vestido, mas o vestido não dita o que está dentro do vestido.

(traduçao de Danilo Leonardi – o texto original foi publicado em inglês na TIME )

Link original AQUI.

As contas eleitorais

Não há democracia madura sem um processo eleitoral transparente e confiável. Tem sido esta a tendência demonstrada com o endurecimento nas regras impostas para a prestação de contas eleitorais, nos últimos pleitos.

E os rigores parecem aumentar ainda mais quando três “pesos pesados” se unem em torno desta questão. Pela lisura eleitoral têm trabalhado em uníssono o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).

Um comemorado consórcio a partir do qual foi gestada a Resolução nº 23.406/2014 em que o TSE apresentou inovações que deverão nortear a arrecadação de recursos de campanha, a destinação dos gastos e a forma de prestar contas, com o objetivo de coibir ilícitos e reduzir possíveis diferenças provocadas pelo exagerado uso do poder econômico.

Agora, a prestação de contas só será validada se tiver sido “contabilizada” por profissional da contabilidade que, ao final, assina em conjunto com o candidato. Como fazem os Fiscos há anos, os Tribunais Regionais Eleitorais poderão experimentar grande economia de trabalho, que só é possível quando alguém vocacionado a prestar contas se responsabiliza pelo processo.

Igualmente acertado, a partir de então, candidatos e partidos deverão constituir advogados para que os representem judicialmente nos processos de prestação de contas partidárias e de campanha, cujo exame por parte do Estado assume caráter jurisdicional.

Todavia, talvez mereça atenção e cuidado um dispositivo na norma que prevê quebra de sigilo bancário e fiscal de candidatos, partidos, doadores e fornecedores, na hipótese de “indício” de ilegalidade. Parece claro o caráter abusivo de tal premissa uma vez que relativizar um direito fundamental, não contribui em nada para a construção de um Estado Democrático de Direito.

No geral, entretanto, combinadas à Lei “Ficha Limpa” (Lei complementar nº 135/2010), as ferramentas de fiscalização e controle do processo eleitoral brasileiro se aperfeiçoaram, ganhando contornos de credibilidade com a honrosa participação de contadores e advogados.

Mas, apesar de tudo isso, para avançar, o Brasil ainda continuará dependendo da consciência do eleitor na hora voto, cuja tarefa será garimpar um representante que tenha conseguido se destacar, imune às repugnantes práticas eleitorais que ainda vigoram neste país.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 30 de julho de 2014

Artigo_HSF_Contas_Eleitorais_A_Gazeta_30_07_2014

 

Planejar é preciso…

Foi por volta de 1530, com as capitanias hereditárias, que a Coroa Portuguesa criou a tributação no Brasil, como forma de explorar a colônia, para reduzir o enorme endividamento que comprometia a saúde estatal portuguesa.

Ao recolher os primeiros tributos, Fernão de Noronha entrou para a história como o primeiro contribuinte brasileiro mas, também, como o primeiro sonegador. Provavelmente, era só uma lógica consequência da instituição de tributos extorsivos usados para fins pouco nobres, comparados ao investimento em saúde, educação, saneamento, segurança e infraestrutura.

Esta triste herança é uma velha conhecida no Brasil. Por saber que a sonegação existe, os tributos praticados são exorbitantes, como forma de o Estado compensar seus “prejuízos”. Mas, fica sempre a dúvida: o que nasceu primeiro, o abuso tributário imposto a uma sociedade desassistida, ou o sonegador?

O fato é que em 2013, a Receita Federal aumentou em 63,5 % a sua eficácia em fiscalização, comparada a 2012, contando com mais de R$ 190 bilhões em autuações. O curioso é que engrossando fortemente este caldo estão os “planejamentos tributários” fraudulentos.

Isso só comprova que se foi o tempo em que ações toscas como “calçar” nota, montar grupo empresarial com sócios “laranjas”, usar “caixa-dois” ou outras artimanhas simplórias podiam “reduzir” a carga tributária brasileira, sem maiores comprometimentos para o contribuinte.

Por isso, o planejamento tributário e sucessório das empresas é uma realidade, como forma única de se evitar o pagamento desnecessário de tributos, conforme as regras do país. Entretanto, com a notória qualificação de nosso fisco, a elisão fiscal segura vem por exigir a contratação de profissionais cada vez mais experientes e que possam lançar mão de conhecimento multidisciplinar, com abrangência desde o conhecimento contábil ao domínio jurídico nos campos tributário, societário, de família e das obrigações.

Na época das grandes navegações, quando a parafernália tributária lusitana aportou por aqui, defendia Fernando Pessoa, navegar era a única solução. Hoje, o avanço desgovernado do público sobre o privado, talvez fizesse o poeta repensar seu verso histórico e recitar: planejar é preciso, viver não é preciso.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 11 de fevereiro de 2014

Artigo_HSF_Gazeta_Planejar_e_Preciso_jpg_11_02_14