A boa educação sumiu. Vamos reencontrá-la?

A educação está acabando. Como uma moribunda em seu leito de morte, a educação cívica sucumbe ao imediatismo, intolerância e falta de generosidade das pessoas.

Fico preocupado quando percebo que as coisas só passam a funcionar sob o manto da lei. A pessoa “fica” educada só porque uma lei assim determinou, sob pena de se ver obrigada a pagar uma multa.

Basta lembrar que antes da imposição legal, as pessoas fumavam em ambientes fechados, enfumaçando tudo, sem o menor constrangimento. Para não entrar no mérito de que o fumante passivo também tem a sua saúde ameaçada, me limito a dizer que o cheiro insuportável do cigarro, em roupas e cabelos, já justificaria a iniciativa própria do fumante em alimentar o seu vício bem longe de quem não fuma. Se não fazia assim era por falta de educação e, desta pecha, a lei bem que veio por lhe poupar.

Adoro cinema mas, confesso, ultimamente esta atividade tem sido uma incógnita para mim, dada a deseducação reinante em ambientes públicos. É um tal de gente falando alto (é…..conversando, mesmo!…), mastigando pipoca como se comesse um javali (vivo!) e pés bolinando impiedosamente a poltrona da frente, ou seja, a minha cabeça. Enfim, é toda uma sorte de incivilidades que mais parece uma gincana. Se você conseguir vencer todos estes obstáculos, vai ter a mínima chance de sentir algum prazer com a diversão principal: o filme.

E no trânsito, então! Uma amostra perfeita de quão grave é a doença que acomete a relação entre as pessoas. Tirando os xingamentos usuais, dirigindo um carro você terá a oportunidade de ver gente ultrapassando pelo acostamento, desrespeitando ordem de chegada, ignorando pedestres e furando sinal vermelho, fortalecendo a ideia de que nos tempos atuais, mais tem valido o “eu” do que o “nós”.

Agrava ainda mais este contexto, a crise moral que vivem algumas de nossas principais instituições, reduzindo a pó as poucas chances que ainda tínhamos de multiplicar atitudes positivas e saudáveis, com base em bons exemplos. Homens públicos, de há muito, transfiguraram o real significado de “conduta ilibada”, “decoro”, “coisa pública”  e “honestidade”.

Parece não estarmos diante de um dos melhores momentos da sociedade brasileira. Talvez, o mais indicado seja parar, pensar e preparar um recomeço em que frases como “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado” possam voltar a ocupar lugar de destaque.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 31 de outubro de 2013

Artigo_HSF_Boa_educação_Sumiu_Gazeta_31_10_2013

Esforça-te por ser feliz!…

Caminha_placidamente_blog

“Caminha, placidamente, em meio ao ruído e a pressa e pensa na paz que pode existir no silêncio.

Mantém boas relações com todas as pessoas, a qualquer preço, menos o da tua abdicação. Fala a tua verdade com serenidade e clareza e escuta os outros, mesmos os enfadonhos e os ignorantes, porque também eles têm a sua história. Evita as pessoas espalhafatosas e agressivas; elas causam vexames ao espírito. Se te comparas com os outros, podes tornar-se vaidoso ou amargo, porque encontrarás sempre pessoas de mais ou menos importância do que tu. Deleita-te com as tuas realizações, bem como os teus planos.

Conserva-te interessado em tua própria carreira, por mais humilde que ela seja; é um bem real em meio às fortunas transitórias do tempo. Sê cauteloso em teus negócios, porque o mundo está cheio de trapaça. Mas, não permitas que isso te faça cego às virtudes; muitas pessoas lutam em prol de altos ideais e, por toda a parte, a vida está plena de heroísmo.

Sê tu mesmo. Especialmente, não finjas afeições, nem sejas cínico no amor, porque, apesar de toda a aridez e desencanto, ele é perene como a relva. Aceita, com indulgência o conselho da idade, renunciando com graças as coisas da mocidade. Alimenta a fortidão de espírito, para que ele te sirva de escudo contra uma súbita desventura. Não te angusties, porém, ante coisas imaginárias.

Muitos medos nascem da fadiga e da solidão. À parte uma saudável disciplina, sê bondoso contigo mesmo. És um filho do universo, não menos que as árvores e as estrelas; tens o direito de estar aqui. E, quer compreendas isso, quer não, o universo se vai expandindo como deve. Vive, portanto, em paz com Deus, seja qual for a idéia que D’Êle tenhas, e sejam quais forem, teus labores e aspirações na ruidosa confusão da vida, procura ficar em paz com tua alma.

Com todas as imposturas, lidas servis e sonhos desfeitos, este é ainda, um belo mundo. Sê cauteloso.

Esforça-te por ser feliz.”

(Texto encontrado na Igreja de Saint Paul – Baltimore, EUA – datado de 1692.)

Multa de trânsito e direitos fundamentais

Toda vez que o assunto é infração de trânsito, lembro-me da história do cidadão que estava sendo multado e não parava de ouvir sermão do agente, enquanto sua multa era lavrada. Até que ele se cansa e diz: “…seu guarda, vê se decide…ou o senhor multa ou briga comigo. Os dois, não pode não!…

Embora o trânsito no Brasil seja assunto da maior seriedade e que clama por medidas urgentes, a abordagem acima provoca, ainda que de forma descontraída, a reflexão para outro lado da mesma questão: o que o Estado pode e o que não pode fazer? Ou ainda, não estaria havendo abuso ou exagero na aplicação de multas de trânsito, nas regiões metropolitanas?

O advento da tecnologia (radares) e a desnecessidade legal de abordagem veicular para a lavratura do auto de infração são elementos facilitadores para que o poder público exerça o seu múnus regulador, porém podem também contribuir sobremaneira para a banalização desta sanção administrativa, distanciando seus efetivos objetivos da tão esperada função socioeducativa.

Além disso, acende-se um sinal amarelo toda vez que um autuado vê impedimento ou grande dificuldade de se defender de atos públicos. Alguns exemplos disso são multas pelos seguintes motivos: mudar de faixa sem dar sinal, dirigir falando ao celular, não usar cinto de segurança, não dar passagem a pedestre em faixa e tantos outros. Ora, se há presunção de legitimidade e veracidade por parte da administração pública ao dizer, a distância, que houve a infração, como pode o cidadão provar o contrário em relação ao alegado?  Como vislumbrar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal em casos semelhantes?

O fato é que, por não conseguir produzir provas em sua defesa e por se tratarem de valores relativamente baixos, infelizmente, algumas multas têm sido pacificamente toleradas pela sociedade, gerando receita extra para os municípios que, por sua vez, agradecem e fazem o uso que bem entendem do dinheiro oriundo desta arrecadação.

O perigo de se transigir em relação às Garantias e Direitos Fundamentais de nossa Constituição é que grandes desmandos sempre começam de forma aparentemente “inofensiva”, exatamente como uma multa de trânsito que o acusa de ter feito algo que você não fez e, mesmo assim, pela dificuldade de defesa, você aceita e paga.

 

* Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 20 de dezembro de 2012

 

 

 

Democracia, pesquisa e voto

Parece que foi ontem que brasileiros idealizadores de um país livre e democrático, em guerra contra o poder, pagaram o preço da mudança. Hoje, graças a isso, podemos celebrar a cada dois anos, a festa da democracia, ao escolhermos nossos representantes do executivo e do legislativo, sob os olhos atentos de uma imprensa livre.

Nossa democracia, no entanto, parece viver o desconforto do limbo. Não tem mais o cheiro e a inocência de um recém-nascido, mas também não apresenta a necessária maturidade, deixando à mostra fragilidades viscerais. Dos vários vilões que contribuem para isso, ocupam destaque a nefasta desigualdade socioeconômica e o analfabetismo funcional de boa parte de nosso povo. Com eles, não há democracia saudável.

Esta peculiar realidade é que deveria pautar as pesquisas de intenção de voto, sob pena de acabarem protagonizando resultados, ao invés de apenas medi-los. É o famigerado voto útil que pode, sem dúvida, induzir incautos a trilhar pelo caminho apontado como mais próximo de vencer. Afinal, para muitos, teria algo mais terrível do que “perder” o seu voto?

Desde 1945, quando o Brasil viu a sua primeira pesquisa eleitoral publicada (IBOPE), nunca, este instrumento foi tão utilizado como ferramenta de marketing político e norteador de apoios, coligações e interesses partidários como presenciamos nos dias atuais. Um ótimo motivo para que se regulamentem as técnicas empregadas nas pesquisas de opinião em nosso país.

A importância e a utilidade de uma pesquisa publicada na mídia justificam, por si só, que ela tenha características científicas, cuja metodologia possa afastar construções interpretativas comprometedoras de uma pacífica escolha cidadã. Aí merecem especial atenção as altas e inconcebíveis margens de erro (4%) e a escolha não aleatória das amostras. A quinze dias de um pleito, por exemplo, também deveria ser proibida a publicação de pesquisas com margem de erro superior a 1%. Aumento de custos? Quem disse que zelar pela democracia é barato?

Trata-se de uma excepcional oportunidade para que institutos de transparência independentes possam chamar para si a responsabilidade de gerarem pesquisas eleitorais científicas e inquestionáveis. O atual momento brasileiro é especial e uma rara oportunidade para avançarmos, deixando para trás ranços que ainda seguram o crescimento desta nação.

* Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 08 de novembro de 2012