Multa de trânsito e direitos fundamentais

Toda vez que o assunto é infração de trânsito, lembro-me da história do cidadão que estava sendo multado e não parava de ouvir sermão do agente, enquanto sua multa era lavrada. Até que ele se cansa e diz: “…seu guarda, vê se decide…ou o senhor multa ou briga comigo. Os dois, não pode não!…

Embora o trânsito no Brasil seja assunto da maior seriedade e que clama por medidas urgentes, a abordagem acima provoca, ainda que de forma descontraída, a reflexão para outro lado da mesma questão: o que o Estado pode e o que não pode fazer? Ou ainda, não estaria havendo abuso ou exagero na aplicação de multas de trânsito, nas regiões metropolitanas?

O advento da tecnologia (radares) e a desnecessidade legal de abordagem veicular para a lavratura do auto de infração são elementos facilitadores para que o poder público exerça o seu múnus regulador, porém podem também contribuir sobremaneira para a banalização desta sanção administrativa, distanciando seus efetivos objetivos da tão esperada função socioeducativa.

Além disso, acende-se um sinal amarelo toda vez que um autuado vê impedimento ou grande dificuldade de se defender de atos públicos. Alguns exemplos disso são multas pelos seguintes motivos: mudar de faixa sem dar sinal, dirigir falando ao celular, não usar cinto de segurança, não dar passagem a pedestre em faixa e tantos outros. Ora, se há presunção de legitimidade e veracidade por parte da administração pública ao dizer, a distância, que houve a infração, como pode o cidadão provar o contrário em relação ao alegado?  Como vislumbrar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal em casos semelhantes?

O fato é que, por não conseguir produzir provas em sua defesa e por se tratarem de valores relativamente baixos, infelizmente, algumas multas têm sido pacificamente toleradas pela sociedade, gerando receita extra para os municípios que, por sua vez, agradecem e fazem o uso que bem entendem do dinheiro oriundo desta arrecadação.

O perigo de se transigir em relação às Garantias e Direitos Fundamentais de nossa Constituição é que grandes desmandos sempre começam de forma aparentemente “inofensiva”, exatamente como uma multa de trânsito que o acusa de ter feito algo que você não fez e, mesmo assim, pela dificuldade de defesa, você aceita e paga.

 

* Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 20 de dezembro de 2012

 

 

 

Democracia, pesquisa e voto

Parece que foi ontem que brasileiros idealizadores de um país livre e democrático, em guerra contra o poder, pagaram o preço da mudança. Hoje, graças a isso, podemos celebrar a cada dois anos, a festa da democracia, ao escolhermos nossos representantes do executivo e do legislativo, sob os olhos atentos de uma imprensa livre.

Nossa democracia, no entanto, parece viver o desconforto do limbo. Não tem mais o cheiro e a inocência de um recém-nascido, mas também não apresenta a necessária maturidade, deixando à mostra fragilidades viscerais. Dos vários vilões que contribuem para isso, ocupam destaque a nefasta desigualdade socioeconômica e o analfabetismo funcional de boa parte de nosso povo. Com eles, não há democracia saudável.

Esta peculiar realidade é que deveria pautar as pesquisas de intenção de voto, sob pena de acabarem protagonizando resultados, ao invés de apenas medi-los. É o famigerado voto útil que pode, sem dúvida, induzir incautos a trilhar pelo caminho apontado como mais próximo de vencer. Afinal, para muitos, teria algo mais terrível do que “perder” o seu voto?

Desde 1945, quando o Brasil viu a sua primeira pesquisa eleitoral publicada (IBOPE), nunca, este instrumento foi tão utilizado como ferramenta de marketing político e norteador de apoios, coligações e interesses partidários como presenciamos nos dias atuais. Um ótimo motivo para que se regulamentem as técnicas empregadas nas pesquisas de opinião em nosso país.

A importância e a utilidade de uma pesquisa publicada na mídia justificam, por si só, que ela tenha características científicas, cuja metodologia possa afastar construções interpretativas comprometedoras de uma pacífica escolha cidadã. Aí merecem especial atenção as altas e inconcebíveis margens de erro (4%) e a escolha não aleatória das amostras. A quinze dias de um pleito, por exemplo, também deveria ser proibida a publicação de pesquisas com margem de erro superior a 1%. Aumento de custos? Quem disse que zelar pela democracia é barato?

Trata-se de uma excepcional oportunidade para que institutos de transparência independentes possam chamar para si a responsabilidade de gerarem pesquisas eleitorais científicas e inquestionáveis. O atual momento brasileiro é especial e uma rara oportunidade para avançarmos, deixando para trás ranços que ainda seguram o crescimento desta nação.

* Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 08 de novembro de 2012

A vaquinha e o precipício

Mestre e discípulo caminhavam quando avistaram um casebre. Aproximaram-se e perguntaram como vivia aquela pobre família, pois não viam sinais de comércio ou trabalho por ali. A sua sobrevivência foi atribuída a uma vaquinha que lhes dava leite suficiente para consumo e venda. Ao se afastarem, o mestre ordena então ao discípulo que empurre aquele animal no precipício. Relutante, o discípulo cumpre a ordem.

Durante anos, o remorso por aquele ato perseguiu a mente do executor até que um dia ele resolveu voltar ao local. Ao chegar, se surpreendeu com o que viu. No lugar do casebre havia uma linda casa com jardim exuberante e carro na garagem. Espantado com a aparente prosperidade da família, o discípulo foi perguntar o que havia ocorrido e recebeu a seguinte resposta: “…tínhamos uma vaquinha que caiu do precipício e morreu. Como era nosso único sustento, tivemos de fazer outras coisas, desenvolver outras habilidades que nem sabíamos que tínhamos e, assim, alcançamos o sucesso!”. Não se trata de uma parábola nova, mas, talvez, seja a mais apropriada para o momento atual em que vive o nosso estado.

Pode-se afirmar que historicamente o Espírito Santo nunca tenha gozado de grandes privilégios ou simpatias por parte dos governos centrais, desde que Vasco Fernandes Coutinho aportou, em 1535, em nossa costa. Foram quase 300 anos de abandono até a independência do país, quando então passaram a ser feitos aqui alguns tímidos investimentos. Foi a economia cafeeira e a força imigrante que trouxeram desenvolvimento para nosso estado. Todavia, persistia a sensação de que estávamos sempre a reboque dos federados mais poderosos do entorno e que, a qualquer momento, as regras do jogo poderiam ser mudadas para o benefício alheio, a despeito de nossas necessidades.

De lá pra cá o estado já passou por algumas crises que só foram superadas com muito sacrifício e determinação de seu povo. Recentemente, protagonizamos em Brasília enfrentamentos pela divisão mais favorável dos royalties do petróleo e pela manutenção do FUNDAP. Ainda que tenha havido empenho de nossa bancada federal, foi mais uma luta perdida, pois o desequilíbrio de forças tornava inglória a missão delegada aos nossos representantes. Afinal, o estado representa 2,3 % do PIB e tem um colégio eleitoral de apenas 1,5% do eleitorado nacional. Aos olhos de políticos que só enxergam cifras, não somos nada!

Por isso, é passada a hora de criarmos condições próprias e típicas de atração de negócios que dispensem o inconstante subsídio federal ou que dependa de incentivos financeiros que sempre serão alvo da cobiça dos vizinhos produtores. Para isso, devemos voltar nossa atenção para a infraestrutura (aeroviária, ferroviária, rodoviária), a hotelaria e a especialização de mão de obra. O estado precisa concentrar esforços para se destacar como pólo de excelência em serviços, sem, contudo, abandonar a sua maior vocação portuária e de comércio exterior, pois, nesta seara, temos muito que ensinar ao país.

Caberá aos nossos governantes aplicar toda parcela de recurso próprio possível e o que ainda nos restam dos royalties em estrutura e equipamentos que facilitarão a nossa “independência” futura. Para tanto, certamente, poderão contar com o apoio do bravo povo capixaba, que conhece bem a superação. Não seria logo agora, ao perdermos mais uma “vaquinha”, que fugiríamos à nossa luta!

HSF

Haroldo Santos Filho é advogado, contador, engenheiro e mestre em administração financeira (UnB)

Link: Jornal A Gazeta: aqui

 

Malditas e amadas muletas

Tinha acabado de ser apresentado pelo mestre de cerimônia, como o palestrante da noite em um encontro profissional que ocorria em Macapá(AP). Antes de me dirigir ao palco e iniciar a exposição dei aquela conferida no bolso para ver se achava um crucifixo que sempre portava em momentos assim. Tomei um susto ao perceber que aquele meu “amuleto da segurança” não estava ali comigo. Apesar da inicial gaguejada, embaralhada nas idéias e um suor frio que me acometeu, precisei de alguns minutos para cair na real de que a palestra tinha de acontecer, com ou sem meu crucifixo. No final, deu tudo certo, mas não pude deixar de perceber como eu estava “dependente” daquele objeto.

Dia desses planejava um treino de corrida bem interessante para realizar no dia seguinte. Seria um trotinho leve e despretensioso, de uns 10 a 12 Km, com uma freqüência cardíaca confortável, ou seja, a uns 60% da máxima. Amanheceu um dia lindo! Peguei meus inseparáveis equipamentos de corrida, o monitor cardíaco e o ipod, e fui para a rua.

Alonguei e iniciei o treino. Mas, com menos de 10 minutos, percebi que o meu monitor (relógio) não marcava mais minha FC, nem velocidade. Parou! Frustrante! Continuei meio sem graça, mas continuei. E, antes mesmo de chegar aos 3 Km, fez-se um desolador silêncio nos meus ouvidos, bem no meio do “runnin’ with the devil”, do Van Halen (ouça a música no player abaixo do post). O ipod acusava a falta de bateria. Como pude ser tão negligente?!….rs

Pronto! Tal qual havia ocorrido naquela palestra em Macapá (AP), me vi desprovido de meus amuletos, com os quais havia me acostumado a curtir a corrida, durante muito tempo. Era o manco sem as suas muletas. O que fazer? Continuar a corrida como se nada tivesse ocorrido ou parar? Decidi continuar, mas com uma tremenda má vontade e com a certeza de que nem chegaria ao fim. Precisei de uns 5 Km para, enfim, voltar a ter prazer na corrida, ouvindo a minha respiração, os carros passando, as pessoas falando e o cachorro latindo. Voltei a me integrar ao ambiente e a corrida fluiu novamente.

Não vou negar que adoro correr ouvindo música e monitorando minha FC, minha velocidade e a distância já percorrida. É um vício, além de ser ótima esta sensação de controle. Mas, por outro lado, a experiência de se despir das “bengalas” e partir para uma corrida “limpo”, vale muito a pena. Agora, tenho procurado intercalar corridas em que pratico “equipado”, como antes, e outras em que corro “puro”, sem artificialismos tecnológicos que aumentam a minha sensação de poder. No fundo é tudo bobagem. Se você já se preparou adequadamente, não precisa de nada disso para sentir prazer em correr.

Tenho reforçado ainda mais a minha percepção de que os “minimalistas” tendem a ser mais felizes do que aqueles que complicam coisas que, em essência, deveriam ser muito simples, como correr, por exemplo. Mas, perceber isso já é uma grande vitória. É preciso vigilância permanente para conseguirmos desassociar a sensação de bem estar com a necessidade (falsa) de se ter. A mudança é simples, mas não é nada fácil.

Pode ser que demore, mas eu ainda chego lá. Eu quero! E, quando isso ocorrer, vou levantar da cama num belo dia, colocar uma sunga (somente uma sunga!) e correr pela areia da praia até cansar, feito o “Forrest Gump” daquela linda fábula contada no cinema. Para um observador externo pode ser até que pareça faltar algo. Mas eu terei a certeza de que estarei completo. Livre das muletas. Pleno e feliz!…

HSF

* Haroldo Santos Filho é advogado, contador, engenheiro, mestre em administração financeira (UnB) e sócio da Haroldo Santos Consultoria Empresarial.