Por que saí do Governo

Deixei a posição de Secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia mas continuo apoiando a pauta econômica do Ministro Paulo Guedes e também do governo Bolsonaro.

Foi uma experiência única ter sido servidor público nestes 19 meses. Aprendi que a lógica de governo não é a lógica da iniciativa privada. Não é melhor nem pior, apenas diferente. São mundos absolutamente distintos habitados por faunas, regras, leis e comportamentos próprios. Mundos que deveriam se complementar mas, ao contrário, competem entre si.

No governo procura-se defender o estado, enquanto o correto seria defender o cidadão. Um ente privado como eu desperta muita curiosidade mas pouca receptividade. Se no mundo dos negócios a orientação é mudar para melhorar, no governo é permanecer as coisas como são para manter do jeito que estão.

Alguns percebem os “de fora” como um grupo ideológico que veio para o governo fazer mudanças. Ora, mudanças são bem vindas se forem apenas incrementais, mas como pretendíamos fazer uma transformação do estado, éramos vistos como novatos que não conheciam o governo e como as coisas funcionam.

Os “de fora” são passageiros e algum dia irão embora, enquanto os membros do aparelho do Estado se perpetuarão, logo, têm que preservar aquele establishment. Os liberais “de fora” que vieram para o governo cabem num micro ônibus e são vistos como pessoas bem intencionadas, cheias de novas ideias, sonhadoras e inexperientes que querem mudar tudo. A tese liberal de reduzir o tamanho do estado para desonerar o o cidadão é aplaudida mas pouco apoiada.

A Secretaria de Desestatização que fui ocupar era nova e, por falta de experiencia nossa e daqueles que elaboraram o respectivo decreto para sua implementação, ficou com as atribuições mas sem a autoridade para execução. O arcabouço legal do processo de desestatização é complexo e moroso. São quinze agentes envolvidos, do Presidente ao ministro setorial, do TCU ao BNDES. Tudo torna o processo burocrático, lento e, por mais que alguns se esforcem, não conseguem acelerar as coisas.

Os grupos de interesse, absolutamente legítimos e naturais em uma democracia, dificultam o processo de desestatização. Assim, o establishment composto diretamente pelos empregados públicos, sindicatos, fornecedores, comunidades, políticos locais, partidos de esquerda e lideranças políticas têm sido uma barreira natural para a privatização.

Exemplo foi a Medida Provisória 902, que acabava com o monopólio da Casa da Moeda para impressão de papel moeda, condição básica para a sua privatização, que acabou não sendo aprovada pelo Congresso. Em outras palavras, o Congresso disse não à privatização. Muitas estatais como Eletrobras, Hemobrás, Correios e EBC necessitam de aprovação do Congresso num governo que não possui uma base de sustentação em ambas as casas.

Existem 46 estatais das quais 14 já estão encaminhadas para desestatização através do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI e do Programa Nacional de Desestatização – PND. Estas empresas estão no BNDES, que possui o monopólio para a venda de qualquer empresa pública e, de acordo com o cronograma, sua desestatização acontecerá em 2021. Durante o Governo FHC, as estatais foram vendidas num prazo médio de 30 meses, mostrando as dificuldades do processo. Neste governo não será diferente.

De acordo com o cronograma do BNDES, as três primeiras empresas — Ceitec, Emgea e ABGF — serão extintas por ausência de interesse por compradores; logo, podemos deduzir que nem deveriam ter existido. As estatais que sobrevivem com subvenções e aportes da União totalizaram um rombo de R$ 190 bilhões nos últimos 10 anos, dinheiro suficiente para se construir e doar 1,9 milhão de casas populares, ou seja, 1/3 do déficit residencial de 5,5 milhões para os mais necessitados.

Diferentemente do que se propagava, o Brasil não tinha apenas 134 empresas, número este que nos foi informado no período de transição de governo. Iniciamos uma análise mais detida e encontramos 698 empresas entre as de controle direto, suas subsidiárias, coligadas e com simples participações. O estado-empresário é gigantesco e não quer ser amputado.

A Caixa tinha participação num banco na Venezuela (já extinto) e o Banco do Brasil, num banco no Egito. Em síntese: governos anteriores violaram o artigo 173 da Constituição Federal abrindo empresas para competir com a iniciativa privada em setores de seguros, resseguros, cartões de crédito, cobrança, prestação de serviços e por aí vai.

Nestes 19 meses, realizamos R$ 150 bilhões em desestatização e desinvestimentos, reduzindo o número em 84 empresas. Ainda há um enorme trabalho a fazer. O mais importante que é que construímos um pipeline e um processo automatizado a partir dos quais outras desestatizações e desinvestimentos poderão ser realizados.

Para as empresas que forem permanecer, implementamos o estatuto-modelo da OCDE, ampliando os padrões de governança e compliance. Fizemos o Decreto 10.263, que obriga os ministérios a apresentar justificativa da existência de suas empresas dependentes a cada dois anos, e as demais, a cada quatro anos. Está em andamento na Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (a SEST) um tratamento diferenciado para libertar das amarras do governo as estatais listadas como Banco do Brasil, Eletrobras e Petrobras. Fizemos uma criteriosa seleção de executivos e conselheiros da iniciativa privada para muitas de nossas estatais, principalmente para os bancos. Este é o nosso legado.

Sempre tive o apoio direto do Presidente Bolsonaro e do Ministro Guedes. Encontrei e tive o apoio de excelentes servidores de carreira, bem como de meus pares Secretários que facilitaram o meu trabalho. Construí relacionamentos com deputados e senadores que apoiam a pauta de redução do tamanho do estado.

Deixei o governo porque, em minha análise de esforço despendido versus resultados obtidos, a conta foi negativa. Concluí que dedicando meu tempo aos institutos liberais Brasil afora, posso continuar contribuindo para a construção de um país melhor, com menos estado, menos oneroso para o cidadão e menor interferência na vida privada. Um país onde a liberdade seja o seu maior valor.

Salim Mattar é empresário e liberal.

  • Texto original extraído da publicação “Brazil Journal”, aqui.

Lições de ídolo

Uma de minhas boas lembranças da infância era a de meu pai, no café da manhã, vestido com um impecável terno, dividindo sua atenção entre o pão com manteiga e a sagrada leitura do jornal, enquanto mexia de forma ritimada, o seu café com leite. Lembro da segurança e da tranquilidade que aquela imagem me passava. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Enquanto via a cena, era impossível deixar de pensar: quero ser igual a ele.

Não sei quantas vezes, ao longo de minha vida, me vi agindo como meu pai. Não posso afirmar, exatamente, qual grau de influência a sua figura exerceu sobre as minhas escolhas, mas reconheço a enorme importância de termos alguém em quem nos espelhar, dentro ou fora de casa.

No esporte, esta premissa parece óbvia demais. Uma juventude sem ídolos, não consegue ser impulsionada por exemplos e, assim, tem poucas chances de gerar bons frutos, ou seja, craques que venham a se tornar novos ídolos, no futuro.

E foi sob a admiração de seus mais inesquecíveis ídolos que o esporte brasileiro ganhou destaque no cenário mundial. Fico pensando o bem que Pelé, Zico, Ayrton Senna, Oscar, Guga e tantos outros fizeram ao imaginário de inúmeras crianças que tiveram a felicidade de optar pelo esporte, a trilhar pelo amargo caminho das ruas, tudo por conta do amor que tinham por seus ídolos.

No âmbito profissional, não é diferente! Foram muitos os profissionais que figuraram em minha lista de exemplos a seguir. Tanto no aspecto técnico, ético e humano, tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos daqueles que hoje, sem dúvida, considero meus ídolos da profissão.

Na área contábil, o maior deles foi Antônio Lopes de Sá. Um gênio das ciências contábeis e da humildade, que lia meus artigos e dizia: “…Parabéns! Você tem muito talento. Continue assim mas, antes, vamos rever alguns conceitos…”. E aí ele, ao seu jeito, sugeria mudanças no meu texto, de uma maneira tão peculiar que, mesmo sendo corrigido, me fazia ficar feliz da vida!…

Certa vez, no início de minha carreira, conheci Elmo Lopes da Cunha. Respeitado contador e advogado que gostava muito de ajudar os colegas, dando a sua interpretação da lei, pela facilidade maior que tinha com a hermenêutica. Ele era “perseguido” e admirado por todos. Pensei: “…preciso colar nele. Quero ser assim também…”. E, depois, ainda vieram Itamar Silva, José de Lima e tantos outros que dividiram comigo sua experiência e sua amizade.

No direito, também foram muitos os meus exemplos. Lembro do inesquecível Milton Murad que, com sua tenacidade e perspicácia, dava respostas inimagináveis aos problemas que a ele eram apresentados. Também aprendi muito com Oswaldo Bergi. Figura simples e carismática, de jeito manso e que ensinava com exemplos. Mais tarde, veio a se transformar em sinônimo de “direito tributário”, especialidade com a qual até hoje, ganho a vida.

Posso dizer, sem medo de errar, que o sucesso profissional de uma pessoa que não possua ídolos, é muito mais difícil. Da mesma forma, em uma visão mais ampla, reside aí a grave crise de identidade que hoje vive o Brasil. Afinal, não se pode esperar muito do desenvolvimento social e humano de um cidadão que não teve bons exemplos a seguir nem de seus familiares e, muito menos, de seus governantes.

Mas, voltando ao profissional, por ironia da vida, muitos anos depois, acabei sendo agraciado com as Comendas “Elmo Lopes da Cunha” e “Itamar Silva”, as mais altas honrarias capixabas que um profissional da contabilidade poderia desejar. Aqueles que foram meus ídolos e amigos do passado, se eternizaram na estante de meu escritório, como reconhecimento pelo trabalho à classe.

Hoje, quando alguém me pergunta o que deve fazer para ter sucesso profissional, eu nem hesito e vou logo dizendo: primeiro, trate de arrumar alguns bons exemplos para ter em quem se espelhar e, depois, leve muito a sério os estudos.

O exemplo ainda é a melhor forma de ensinar e de formar uma pessoa. Ainda tenho muito a aprender e ídolos a seguir. Mas, pelo que a vida já me deu, sou grato a todos que, direta ou indiretamente, me influenciaram para que eu chegasse até aqui. Em especial, ao meu pai que, mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de ver o que fez por mim, deixou a sua marca indelével na essência de tudo que faço.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 1, MAIO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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Planejar é preciso…

Foi por volta de 1530, com as capitanias hereditárias, que a Coroa Portuguesa criou a tributação no Brasil, como forma de explorar a colônia, para reduzir o enorme endividamento que comprometia a saúde estatal portuguesa.

Ao recolher os primeiros tributos, Fernão de Noronha entrou para a história como o primeiro contribuinte brasileiro mas, também, como o primeiro sonegador. Provavelmente, era só uma lógica consequência da instituição de tributos extorsivos usados para fins pouco nobres, comparados ao investimento em saúde, educação, saneamento, segurança e infraestrutura.

Esta triste herança é uma velha conhecida no Brasil. Por saber que a sonegação existe, os tributos praticados são exorbitantes, como forma de o Estado compensar seus “prejuízos”. Mas, fica sempre a dúvida: o que nasceu primeiro, o abuso tributário imposto a uma sociedade desassistida, ou o sonegador?

O fato é que em 2013, a Receita Federal aumentou em 63,5 % a sua eficácia em fiscalização, comparada a 2012, contando com mais de R$ 190 bilhões em autuações. O curioso é que engrossando fortemente este caldo estão os “planejamentos tributários” fraudulentos.

Isso só comprova que se foi o tempo em que ações toscas como “calçar” nota, montar grupo empresarial com sócios “laranjas”, usar “caixa-dois” ou outras artimanhas simplórias podiam “reduzir” a carga tributária brasileira, sem maiores comprometimentos para o contribuinte.

Por isso, o planejamento tributário e sucessório das empresas é uma realidade, como forma única de se evitar o pagamento desnecessário de tributos, conforme as regras do país. Entretanto, com a notória qualificação de nosso fisco, a elisão fiscal segura vem por exigir a contratação de profissionais cada vez mais experientes e que possam lançar mão de conhecimento multidisciplinar, com abrangência desde o conhecimento contábil ao domínio jurídico nos campos tributário, societário, de família e das obrigações.

Na época das grandes navegações, quando a parafernália tributária lusitana aportou por aqui, defendia Fernando Pessoa, navegar era a única solução. Hoje, o avanço desgovernado do público sobre o privado, talvez fizesse o poeta repensar seu verso histórico e recitar: planejar é preciso, viver não é preciso.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 11 de fevereiro de 2014

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A vaquinha e o precipício

Mestre e discípulo caminhavam quando avistaram um casebre. Aproximaram-se e perguntaram como vivia aquela pobre família, pois não viam sinais de comércio ou trabalho por ali. A sua sobrevivência foi atribuída a uma vaquinha que lhes dava leite suficiente para consumo e venda. Ao se afastarem, o mestre ordena então ao discípulo que empurre aquele animal no precipício. Relutante, o discípulo cumpre a ordem.

Durante anos, o remorso por aquele ato perseguiu a mente do executor até que um dia ele resolveu voltar ao local. Ao chegar, se surpreendeu com o que viu. No lugar do casebre havia uma linda casa com jardim exuberante e carro na garagem. Espantado com a aparente prosperidade da família, o discípulo foi perguntar o que havia ocorrido e recebeu a seguinte resposta: “…tínhamos uma vaquinha que caiu do precipício e morreu. Como era nosso único sustento, tivemos de fazer outras coisas, desenvolver outras habilidades que nem sabíamos que tínhamos e, assim, alcançamos o sucesso!”. Não se trata de uma parábola nova, mas, talvez, seja a mais apropriada para o momento atual em que vive o nosso estado.

Pode-se afirmar que historicamente o Espírito Santo nunca tenha gozado de grandes privilégios ou simpatias por parte dos governos centrais, desde que Vasco Fernandes Coutinho aportou, em 1535, em nossa costa. Foram quase 300 anos de abandono até a independência do país, quando então passaram a ser feitos aqui alguns tímidos investimentos. Foi a economia cafeeira e a força imigrante que trouxeram desenvolvimento para nosso estado. Todavia, persistia a sensação de que estávamos sempre a reboque dos federados mais poderosos do entorno e que, a qualquer momento, as regras do jogo poderiam ser mudadas para o benefício alheio, a despeito de nossas necessidades.

De lá pra cá o estado já passou por algumas crises que só foram superadas com muito sacrifício e determinação de seu povo. Recentemente, protagonizamos em Brasília enfrentamentos pela divisão mais favorável dos royalties do petróleo e pela manutenção do FUNDAP. Ainda que tenha havido empenho de nossa bancada federal, foi mais uma luta perdida, pois o desequilíbrio de forças tornava inglória a missão delegada aos nossos representantes. Afinal, o estado representa 2,3 % do PIB e tem um colégio eleitoral de apenas 1,5% do eleitorado nacional. Aos olhos de políticos que só enxergam cifras, não somos nada!

Por isso, é passada a hora de criarmos condições próprias e típicas de atração de negócios que dispensem o inconstante subsídio federal ou que dependa de incentivos financeiros que sempre serão alvo da cobiça dos vizinhos produtores. Para isso, devemos voltar nossa atenção para a infraestrutura (aeroviária, ferroviária, rodoviária), a hotelaria e a especialização de mão de obra. O estado precisa concentrar esforços para se destacar como pólo de excelência em serviços, sem, contudo, abandonar a sua maior vocação portuária e de comércio exterior, pois, nesta seara, temos muito que ensinar ao país.

Caberá aos nossos governantes aplicar toda parcela de recurso próprio possível e o que ainda nos restam dos royalties em estrutura e equipamentos que facilitarão a nossa “independência” futura. Para tanto, certamente, poderão contar com o apoio do bravo povo capixaba, que conhece bem a superação. Não seria logo agora, ao perdermos mais uma “vaquinha”, que fugiríamos à nossa luta!

HSF

Haroldo Santos Filho é advogado, contador, engenheiro e mestre em administração financeira (UnB)

Link: Jornal A Gazeta: aqui