As últimas jabuticabas

É bom demais quando a gente consegue encontrar uma frase, um pensamento ou uma ideia que se case, perfeitamente, com aquilo que tem pensado, ultimamente. Aconteceu comigo exatamente isso, quando visitava o Blog do Professor Damásio de Jesus.

O mestre do direito comentava texto de Mario de Andrade que enaltecia a objetividade que deveria estar presente em todos aqueles que já tinham atingido a devida maturidade na vida. Aqueles que já tinham vivido o bastante, a ponto de conseguir distinguir, sem maiores dificuldades,  aquilo que realmente seja digno de nossas caras preocupações.

Assim, assumindo inteiramente a sua honrosa posição de “maduro”, dizia o Professor Damásio: “…Cronologicamente, esse deve ser o desejo do ser humano: a busca da essência. Quanto mais maduro se é, mais se tem a sensação de urgência. Estou ainda incompleto. É assim que me sinto. Por isso, bebo a luz da manhã; saboreio o canto dos pássaros; medito diante da beleza das orquídeas; viajo, junto com os flamingos, ao som de excelente música; vejo-me em paz durante os meus estudos jurídicos que continuam a todo vapor; transmito o quanto posso, o melhor que posso, tudo o que sei àqueles que me procuram ou que me encontram ainda em sala de aula ou fora dela. Finalmente, descanso a minha alma conversando e aprendendo com pessoas simples e adoráveis como os caipiras da beira do rio...”.

A expressão do jurista é tão verdadeira e poética quanto a ideia inspiradora do poema “O valioso tempo dos Maduros”, de Mario de Andrade. Também tenho, hoje, mais do que nunca, uma fortíssima ligação com esta essência filosófica  deixada pelo poeta.

A maturidade nos põe diante de um inevitável paradoxo. Se por um lado, nutrimos o medo do desconhecido que ora se avizinha, por outro, nos tornamos mais humanos e objetivos, absolutamente antipáticos e intolerantes a tudo aquilo que nos venha furtar, por vezes de forma sorrateira ou disfarçada, o precioso tempo que temos para contemplar a vida e usufruir da agradável e necessária convivência dos verdadeiros amigos e familiares.

Quanto mais penso sobre isso, mais me convenço de que falta muito pouco para que eu me sinta completo. Quem sabe, um pouco mais de fé me daria a certeza de que tudo o mais, além daquilo que já tenho, seja supérfluo? Quem sabe, um pouco mais de maturidade?

HSF

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

(Mario de Andrade)

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.

As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade…

Só há que caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial.

Mais 100 anos de Madre Teresa

No dia 26 de agosto de 2010, foi comemorado o centenário do nascimento de Madre Teresa de Calcutá. Sua belíssima obra social nos dá conta de que cada pessoa é única e, por isso, toda vida tem o seu incalculável valor. Ela nos mostrou que todos são merecedores de nossa atenção, dedicação e preocupações.

Todavia, observando o histórico de vida missionária de Madre Teresa, e imaginando a quantidade de vidas que foram ajudadas e confortadas pelas suas ações e em função de sua boa influência, permito-me cometer a heresia de conceber a ideia de que, mesmo que todas as vidas tenham o mesmo valor, algumas perdas impactam o mundo, consideravelmente mais do que outras.

Madre Teresa viveu 87 anos. Se tivesse vivido 100, ainda assim, o Mundo clamaria por mais 100 anos de sua existência, mesmo sabendo que seriam insuficientes dada a necessidade que temos de almas como a dela.

O fruto da oração é a fé
O fruto da fé é o amor
O fruto do amor é o serviço
O fruto do serviço é a paz

Madre Teresa de Calcutá

Criança profissional

Quando criança, sempre fui levado. Sou do tempo em que, costumeiramente, se associava travessura ingênua, educada e infantil com inteligência e saúde. Certo ou não, sei que notas acima da média e uma razoável dose de indisciplina me credenciaram a ter a “sorte” de poder ter sido classificado como “bom aluno”.

Mas, por conta da agitada personalidade, no colégio Sacre-Coeur, de onde saí somente para fazer o pré-vestibular, visitei inúmeras vezes a sala da diretora, como forma de ser punido pelo comportamento menos ortodoxo, mas, veladamente, aguardado por todos.

Não que se devesse premiar a inquietude natural de uma criança, mas, reconhecer que é nesta fase de desenvolvimento que os limites são testados, alguns riscos são enfrentados e, inevitavelmente, é quando são conhecidas as reais consequências das decisões tomadas. Limites devem ser impostos, sem dúvida, mas alguns enfrentamentos fazem parte da lapidação do caráter de uma pessoa e, por isso, não devem ser ignorados.

Hoje, as coisas me parecem muito diferentes. Não falo de construtivismo piagetiano, de educação holística, tradicional, da teoria das inteligências múltiplas ou da teoria pedagógica das competências e habilidades, por mera falta de conhecimento. Limito-me a perceber que, a despeito de inúmeros avanços observados no campo do ensino, uma característica muito preocupante se sobressai: a criança tem se “profissionalizado” a cada dia. É como se estivessem deixando de ser “criança”, para serem “adultos em miniatura”.

Mas, mesmo assim, se você quiser se desincumbir da responsabilidade de pensar na educação de seu filho (como eu fiz), basta matriculá-lo no que houver de mais reconhecido como “excelência” em matéria de ensino. Para tanto, por uma bagatela anual de R$ 30 mil, seu filho vai estudar das 8 às 19 horas, aprender 3 línguas além do português, vai fazer um esporte, estudar música, artes plásticas, artes cênicas, pensar em mercado de trabalho, bolsa de valores, sem prejuízo ao tradicional programa do ensino fundamental. E, tudo isso sem ainda ter chegado à puberdade. Depois de uma longa jornada, resta dormir e se preparar para o dia seguinte, igualmente exigido.

Para um futuro cidadão que precisará competir para conseguir espaço no disputado mercado profissional, estou certo de que tais características de ensino devam encontrar ótima serventia. Mas, e quanto à pessoa?! Até que ponto vale o esforço e a pesada supressão de sua infância? E, quanto aos rigores no trato comportamental que mais se parecem com caricatas rotinas de quartel? E o que mais pesa em minha consciência é que apesar destas dúvidas, ainda me sinto muito confortável em saber que fiz esta conveniente escolha. Egoísmo de minha parte?! Ou seria só ignorância!?…

Ontem, meu filho, constrangido, me entregou um documento que deveria ser assinado por mim e devolvido por ele, à escola. Tratava-se de uma espécie de advertência, se bem pude entender nas más escritas linhas. Informava que o garoto havia se envolvido, pasmem, “em situação de transgressão do(sic) educacional”(!!!). O documento é finalizado solicitando que os pais continuem as orientações em casa porque, caso contrário, em recorrência, “outras medidas” seriam tomadas contra o aluno.

Devo dizer que, sem pestanejar, fiz a lição de casa sugerida pela caríssima pedagogia. Assinei o documento e o repreendi pelo fato reportado, muito embora, pela sua própria explicação, o ocorrido não teria passado de mera fatalidade. O que no direito chamamos de culpa, sem a intenção (dolo). Pode ser, mas, sabe como é criança, não é?! Pelo sim, pelo não, dei crédito à instituição de ensino e pedi a ele que atentasse para que o lamentável episódio não mais se repetisse.

O medo de pecar pela danosa superproteção do filho, em mim, foi maior do que o de ter sido injusto. Fiquei pensativo sobre isso e me perguntando se teria agido corretamente. Até que tocou o telefone e antes mesmo de eu atender o cliente, não resisti à tentação e racionalizei: “…afinal, o que é que eu entendo de ensino? Ainda mais sabendo que pelos padrões desta escola eu mesmo deixaria de ser o agradável “bom aluno” que fui, passando a ser um desprezível “transgressor”. Eles devem saber o que fazem...”.

Pois, assim espero!

HSF

Inexorável “melhor idade” (#melhoridade)

A gente não se dá conta de que está envelhecendo até que as primeiras “limitações” físicas, surgidas por conta da “melhor idade”, comecem a dar sinais de vida.

Na verdade, é a inexorabilidade que nos arremessa contra uma parede branca, com os dizeres: “Aproveite enquanto pode, meu velho, a sua existência material é finita!“. Quando a pancada é bem dada, a gente acredita logo, é começa a viver a vida de outro jeito. Caso contrário, se continua a perder tempo com bobagens…

Convenhamos, ninguém que esteja livre de interdição pode gostar de envelhecer. Mas, mesmo assim, um dia desses eu estava tentando elencar as vantagens de se ficar mais velho, ou melhor, de começar a sentir dores no corpo que nunca imaginou existir, de levantar para fazer fazer xixi umas 5 vezes toda noite, de ver a memória começando a falhar, de se acalmar sexualmente *, isso para ficar com poucos bons exemplos…rsrs

Depois de muito pensar, cheguei à primeira e, para mim, mais importante vantagem de caminhar para a melhor idade: é que a outra alternativa é muito pior, né?! Ou você envelhece ou…

Empolgado com a descoberta, parti logo para a segunda vantagem quando fui interrompido por uma música que tocava no rádio, “a vida tem dessas coisas“, cantada pelo Ritchie. Parei tudo e só curti. Foram 4 minutos de muitas e boas lembranças. Memórias vivas que só poderiam ocorrer em quem já tivesse vivenciado alguma história de vida.

Caiu a minha ficha. Claro! A outra grande vantagem de se envelhecer é o significado amplificado que passam a ter as coisas. Até o “ouvir” uma música pode se transformar em uma experiência fabulosa como, de fato, foi. E a coincidência de tocar Ritchie não poderia ter sido mais adequada, pois ao relançar seus antigos sucessos, o cara se redescobriu, ficou novo em folha, exatamente, como todos deveríamos fazer, de tempos em tempos.

Então, se você já tem seus “quarentinha” ou mais, aproveite a música ou qualquer situação que lhe traga a tona bons e significativos sentimentos. Depois, renove-se para os seus novos desafios. É isso que vai mantê-lo vivo!

Mas, se você ainda não tiver chegado lá, fique tranquilo. Não apresse nada porque quando você menos esperar, sem que ninguém entenda o motivo, também estará se emocionando com as deliciosas trivialidades do cotidiano. Quando isso acontecer, seja bem vindo ao clube!

* que fique claro: não é o meu caso (ainda!).

HSF

Video 1: “A vida tem dessas coisas” (Ritchie)

Video 2: “Menina veneno” (Ritchie)