O pós-coronavírus e o avião

Voos reduzidos, uso de máscara: eis o cenário atualizado para os passageiros da pandemia. A expectativa é que tudo isso será mantido depois do surto

Por Sabrina Brito – Atualizado em 9 maio 2020, 18h41 – Publicado em 8 maio 2020, 06h00

POUSO FORÇADO – Embarque de viajantes em aeronave que faria a rota São Paulo-Manaus e tomada de temperatura no Galeão, no Rio de Janeiro: o impacto da eclosão da Covid-19 em um dos setores mais atingidos pela crise Jonne Roriz/VEJA /Bruna Prado/Getty Images

É como se o verbo viajar tivesse sido sequestrado do dicionário da realidade. Nestes dias em que, para bilhões de pessoas mundo afora, sair de casa se tornou sinônimo de ir no máximo até o supermercado ou à farmácia, os aeroportos, por exemplo, se tornaram verdadeiros desertos — sem nenhum oásis. Quem, por motivos inadiáveis, é forçado a embarcar em um voo de carreira frequentemente vê reproduzido dentro das aeronaves um cenário semelhante: quase ninguém nos assentos, tampouco nos corredores. E atenção, senhores passageiros: esse é apenas um dos aspectos que se desenham no horizonte para o pós-pandemia, o “novo normal” que deverá se estabelecer a partir das lições — muitas amargas — que serão deixadas pelo surto de Covid-19. Dito de outra forma: o futuro, no âmbito do turismo, já começou. Está no presente.

Tudo se inicia em terra, com a adoção de medidas para preservar o distanciamento físico entre os viajantes. Dentro dos aviões, os novos protocolos das companhias impõem reforço na higienização, com o uso de mais desinfetantes, aumento da filtragem do ar e uma distribuição na ocupação dos assentos a fim de permitir que os passageiros não fiquem próximos — o que, convenhamos, não tem sido difícil com os aviões vazios (há voos saindo dos Estados Unidos com apenas dezessete pessoas a bordo). Além disso, em um número crescente de empresas aéreas, os viajantes vêm sendo obrigados a usar máscara — algo que havia sido determinado antes para toda a tripulação.

Em tempos de crise, pode-se recorrer ao passado para enxergar de que maneira o presente começa a funcionar como um rascunho, por assim dizer, do futuro. Logo após os atentados terroristas ao World Trade Center de Nova York, em 11 de setembro de 2001, as normas de segurança das viagens aéreas foram radicalmente modificadas. A inspeção dos passageiros tornou-se muito mais rígida, o que resultou em enormes filas no raio x; restringiu-se bastante o que pode ser levado na bagagem de mão; a porta da cabine dos pilotos passou a ser à prova de balas. Depois de quase duas décadas, praticamente ninguém se lembra de como eram as coisas antes. Tudo passou a ser perfeitamente aceitável. A expectativa do setor de viagens é que o mesmo ocorra com as medidas de precaução de agora.

Por enquanto, para tentar reverter o inacreditável tombo provocado pela eclosão da Covid-19 — só no Brasil o número de voos caiu 90% desde o começo da pandemia do novo coronavírus, as empresas aéreas vêm lançando mão de uma série de estratégias. Há, por aqui, promoções que podem fazer o preço de um bilhete internacional ficar até 60% mais barato. Numa medida acertada, algumas companhias também decidiram simplesmente não cobrar taxas para a remarcação de passagens. E para quem está preocupado com o vencimento de suas milhas — que talvez demore muito até que possam ser utilizadas — a notícia é boa. Grande parte das empresas, que voam para os diferentes continentes, optou pela renovação dos seus programas de fidelidade — alguns deles até janeiro de 2022.

Nada mau — sobretudo considerando que, dada a reviravolta do mercado, os viajantes do período pós-pandemia não possam esperar somente céu de brigadeiro. Com a redução no número de passageiros, devido à limitação da ocupação de assentos, não se descarta a possibilidade de que o valor das passagens aéreas chegue mesmo a dobrar. Os embarques, que neste momento de campanha cerrada pela quarentena se tornaram rapidíssimos, poderão demorar até quatro horas, ao longo das quais os viajantes serão submetidos à checagem de saúde, incluindo testes de sangue (e não meramente a tomada de temperatura, feita hoje em dia em vários locais). Ainda assim, após experimentar tamanho confinamento; depois de só poder ir até o supermercado ou à farmácia — ah, isso será o de menos.

Link original AQUI: Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

Se falta virtude, falta tudo

Uma coisa chama a atenção nos discursos das mais altas autoridades do país. Elas dizem: houve o desvio, mas houve também a conquista social; houve a corrupção, mas a descontinuidade do Governo pode atrasar as reformas de que o país precisa.

Tentam passar a ideia de que os fins justificam os meios e que algumas desonestidades seriam necessárias! Ora, assim como não existe meia verdade, não existe relatividade na questão ética. A virtude é um valor absoluto.

Se não priorizarmos a ética agora, a consciência coletiva acabará sendo anestesiada e então as pessoas começarão a achar tudo normal, até chegarem à conclusão desastrosa de que a mentira e o crime compensam.

Todos nós aprendemos que o exemplo tem que vir de cima. Governos que mentem e desrespeitam sua Constituição não estão ensinando coisa boa para nossos jovens e nossas crianças.

A democracia precisa da virtude para existir de fato. Ela tem necessidade de justiça para ser legitimada porque não é uma conquista de um Estado, mas uma vitória de todos os seus cidadãos.

Restaurar a democracia brasileira é restaurar, em primeiro lugar, os valores humanos em todos os segmentos da sociedade. Mas nós só vamos conseguir edificar uma nova República a partir da consciência de que não é a sociedade que muda, são as pessoas! A verdadeira revolução é só possível dentro de cada indivíduo.

Se cada brasileiro se determinar a aperfeiçoar o seu caráter, aí sim a sociedade mudará e todos poderão desfrutar de uma vida mais saudável e mais digna. A mudança é um processo individual que interfere no coletivo, e não o contrário.

Esse aperfeiçoamento do caráter passa por ser austero com as pequenas atitudes do cotidiano, porque não existe relatividade na corrupção! Não importa se foi uma pequena ou uma grande contravenção, é corrupção do mesmo jeito.

A fila que foi furada, a pechincha que foi exagerada, a mentirinha que foi contata, a alfândega que foi burlada, o troco a mais que não foi devolvido, a carteirinha de estudante falsificada… tudo isso é corrupção e como tal precisa ser banida se quisermos de fato viver numa sociedade nova, formada por pessoas íntegras e éticas.

Já se desenvolveu muita teoria para definir a Ética. Talvez ela seja a palavra mais usada nos discursos políticos, mas o que se espera na verdade não é definição teórica ou entendimento intelectual, e sim vivência e prática, porque ética é acima de tudo um fenômeno espiritual, próprio de cada um.

Existe uma frase de que gosto muito, que explica bem a questão da virtude: “O caráter é mostrado por aquilo que a gente faz quando ninguém nos observa”. O Brasil inteiro precisa refletir sobre isso.

Na sua época, Rui Barbosa dizia: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver crescer os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

O que mais se vê hoje no país é isto: pessoas sentindo vergonha de serem honestas diante de tanto exemplo de desonestidade vindo de cima. Por isso é preciso iniciar, e com urgência, a revolução ética que a sociedade está pedindo.

É muito importante que todos os representantes políticos deixem seus egos de lado e tenham maturidade para trabalhar em torno de um projeto de união nacional pela restauração das virtudes humanas e pelo restabelecimento da democracia, porque se falta virtude, falta tudo.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Tribuna”, em 20 de outubro de 2017

Tempos Estranhos

Pesquisas para presidente em 2018 indicam polaridade entre o “professor Inácio” e o “capitão Messias”. Para quem já formou convicção de que essas não serão boas opções para um país machucado como o Brasil, é de chorar!

Mas, ainda há muito o que acontecer antes que uma outra tragédia eleitoral como esta nos abata. Apesar da sádica atração do eleitorado brasileiro pelo risco e pelo autoflagelo, precisamos acreditar que estamos diante de um momento de virada.

Em primeiro lugar, é preciso uma dose extra de má vontade ou de economia intelectual para não reconhecer que vivemos tempos muito estranhos, mas que, no fim, isso vai nos render bons frutos.

Na lista de “estranhices”, podemos destacar o fato de que foi um governo “ilegítimo” que levou adiante mudanças absolutamente necessárias ao Brasil que queremos. Entre elas, destaca-se a que permeia a contabilidade pública e a responsabilidade fiscal. O estabelecimento do teto de gastos públicos foi fruto dos esforços de uma competente equipe econômica, escolhida exatamente para isso.

E quanto à reforma trabalhista? Saiu, depois de ter sido ensaiada por muitos anos e emperrada por quem ignorava a absurda insegurança jurídica que havia ao empregar.

Faltando poucos ajustes, os três poderes parecem funcionar de forma independente e o mais harmonicamente possível. As instituições em geral, com ênfase na Polícia Federal e no Ministério Público, têm feito, com louvor, o que se espera delas.

E nossas cadeias? Cheias de empresários, brancos e milionários. Políticos com e sem mandato e, em alguns Estados, cúpulas de poder reinante por 20 anos, silenciosamente acautelados.

Estranho? Estes são sinais interligados que representam a chance do Brasil. É agora ou nunca! Mas, para dar certo, precisamos, todos, agir de maneira diferente do que sempre fizemos. Só votar, agora, é pouco. É preciso pedir votos, defender pontos de vista. Os tempos exigem militância!

As pessoas precisam entender que da mesma forma que escolhem o melhor médico quando estão doentes, assim também deve ser na escolha de quem vai governar o país. Ser gestor público não é para quem quer, mas sim para quem comprovadamente se preparou para isso.

E, quando o povo entender tudo e resolver trocar os favores do presente pelo futuro de seus filhos e netos, teremos avançado muito como sociedade. É quando os salvadores da pátria e valentões com frases prontas serão desmascarados e não ameaçarão mais o caminho do Brasil, com seus projetos pessoais de poder.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 13 de dezembro de 2017

Tempos Estranhos

A conta da mentira chegou

 

Dilma

A conquista do segundo mandato da Presidente Dilma Rousseff se deveu, em boa parte, pela propagação oficial de falácias do tipo: o Brasil tem capacidade fiscal e vai crescer 4,5% em 2015, a inflação será controlada e não haverá recessão ou desemprego. Se o governo sempre soube, todo o tempo, que não seria possível cumprir estas promessas, pode-se concluir que tudo não tenha passado de mentira.

O processo de impeachment ora deflagrado se consubstancia nas ditas “pedaladas fiscais” que são manobras que tem por objetivo esconder o déficit fiscal, transformando despesa em superávit primário, tudo de forma camuflada, sem o conhecimento do Banco Central. Provavelmente, também tenham sido ludibriados mercado financeiro, investidores e toda a sociedade brasileira com o que parece ter sido mais uma mentira.

O que aconteceu, a rigor, foi um falseamento feito na contabilidade do nosso país. Este “Photoshop contábil” é crime de responsabilidade que atenta contra a Lei Orçamentária e a Lei de Reponsabilidade Fiscal. O que para muitos é conhecido pelas odiáveis expressões “contabilidade criativa” e “jeitinho” pode também ser chamado de, simplesmente, mentira.

E o mais curioso é que aqueles que levantam a placa de “não vai ter golpe” têm a desfaçatez de achar que tudo isso não passa de exagero, com mera motivação política. Ora, quando ouço isso, fico só pensando naqueles 5 anos de prisão a que poderia ser condenado um empresário que, da mesma forma que Dilma, maquiasse os demonstrativos contábeis de sua empresa. Bobagem para uns, talvez, mas para um contador o ato é criminoso e também uma mentira.

Não resta dúvida que um impeachment, para acontecer, precisa de dois componentes. Um deles é relacionado ao fundamento técnico e embasamento jurídico que já se comprovou ter sido satisfeito. O outro possui um viés político, naturalmente. Significa que é muito provável que um governo que sofra o revés nas duas Casas de Leis não possua mais a menor condição de sustentabilidade para governar, o que também justificaria o impedimento.

Hoje é um dia histórico e que marca mais um avanço na democracia deste país que parece estar querendo ficar livre dos erros do passado e da imagem que ainda nos compromete. Se queremos um Brasil melhor e com governantes cientes de que enganar o povo é crime, hoje será o dia de pagar a conta.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 17 de abril de 2016

Artigo_HSF_A_conta_da_mentira_chegou_Gazeta_17_04_2016