Tempo de acertar

Cachorro, mordido por cobra, tem medo de linguiça, diz o dito popular. O medo de sofrer de novo, justifica o exagero ao evitar a iguaria, em vez de degustá-la.

Boa parte da sociedade brasileira sente o mesmo em relação à corrupção. Para extirpar este mal, parece disposta a extrapolar limites, radicalizar. É o fruto da intolerância gerada por muitos anos de desmandos.

Mas, sobre o momento atual, tenho me permitido cultivar um olhar mais otimista. Mecanismos legais e, mais recentemente, a Lei anticorrupção (Lei nº 12.846/2013, alterada pela MP 703/2015), da qual o Espírito Santo foi o primeiro estado a se utilizar, têm criado ambiente favorável ao combate estatal à corrupção. Ao mesmo tempo, temos visto instituições de controle latu senso, tais como o Judiciário, os Tribunais de Contas e o Ministério Público criarem musculatura para este importante enfrentamento. Ótimo!

Tudo isso, todavia, ainda não é suficiente. Em seu livro “A Cabeça do Brasileiro”, Alberto Carlos Almeida enfatiza que o jeitinho é a sala de espera da corrupção, o que mostra a necessidade de se atingir a raiz cultural de nosso povo. E isto só se faz com a ajuda de todos.

Como o Estado é impotente para cuidar disso sozinho, é preciso reunir gente séria em torno desta agenda. É hora de envolver Universidade, Igreja, ONGs (Transparência Capixaba e outras), OAB, CFC, Conselhos Profissionais e toda a sociedade organizada nesta guerra que não permite improvisos mas, sim, planejamento e persistência.

E, para esta causa, em especial, contadores têm muito a contribuir. Profissional vocacionado a identificar inconsistências, registrar e controlar as origens e aplicações de recursos (públicos e privados), tem em suas mãos a capacidade de acusar ou evitar malfeitos em seu nascedouro. Quem ousaria prescindir deles, nesta cruzada?

O fato é que esta ferida já sangrou demais o país, que não aguenta mais esperar. Pensando no futuro das novas gerações, desta vez, temos de acertar. A hora é agora.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 29 de fevereiro de 2016

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Entre duas datas

No mundo ocidental, em geral, lida-se mal com a morte. Para uns é tabu. Para outros, uma oportunidade de nutrir crenças em hipóteses que, por mais improváveis que possam ser, lhes dão o conforto necessário para seguir em frente.

Eu não sou diferente. Tenho horror a esta verdade inexorável de que “todos vamos morrer um dia”. Mas, toda vez que me vejo “obrigado” a ir a um cemitério, tenho uma forma inusitada de enfrentar a questão. Sempre que possível, faço um respeitoso passeio naquele ambiente, observando, nas lápides, os nomes daqueles que se foram, tentando imaginar que tipo de vida eles teriam levado.

Como teria sido a infância daquela pessoa? O que queria ser quando crescesse? Gostava de esportes? Que comida ela mais apreciava? Contava piadas? Gostava de viajar? Tinha sonhos? E conseguiu realizá-los? Amou e foi amada por alguém? Quais eram seus medos? Teve uma grande paixão? Quantos filhos teve? E, netos? Enfim, muitas perguntas que, respondidas, nos dariam uma boa pista de quem foi aquela pessoa.

Mas, algo sempre me chamou a atenção. Por ser pragmático, a história de vida de alguém, é simploriamente representada pelo seu nome e por duas datas: o dia em que nasceu e o dia em que morreu. Pouco, para quem viveu toda uma vida! Não seria este um dos motivos pelos quais o número de visitantes nestes locais de “paz eterna” esteja cada vez menor?

Era a hora de usarmos a tecnologia para mudar este cenário. Vídeos, fotos, áudios, textos e tudo o mais que se relacionasse a alguém que tenha partido poderia ser colocado à disposição de todos, pela família, como forma de homenagear seus entes queridos. Não me refiro a uma celebridade, mas ao cidadão comum, mesmo!

Um simples código em sua lápide e o uso associado do smartphone seriam suficientes para que o universo pessoal daquele “desconhecido” se abrisse à nossa frente. Estaríamos diante da história de alguém que fez parte deste mundo e que participou, à sua maneira, da construção de tudo o que vemos hoje.

O dia de finados passaria a ter outro sentido. Seria uma oportunidade de lembrar e se divertir ao rever cenas do convívio de muita gente querida. Vai ser difícil segurar a emoção ao ouvir de novo a gargalhada que só aquela pessoa amada conseguia dar.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 3, NOVEMBRO/DEZEMBRO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

 

Entre duas datas - Revista Eklética nº 3, ano I

Pátria do Impeachment

Em 1992, a democracia brasileira deu um importante passo para o reconhecimento mundial, ao promover o primeiro processo de impeachment presidencial de nossa história. Fernando Collor de Mello era condenado à perda de seu mandato, tendo assumido seu vice, Itamar Franco.

Vinte e três anos depois, embora em momentos políticos absolutamente distintos, parece estarmos diante de um anunciado déjà vu. Neste 02/12/2015, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, informou o acolhimento de um dos mais de trinta pedidos de abertura de processo contra a Presidente Dilma Roussef, protocolados naquela Casa de leis.

Previstos pela Constituição Federal e por normas infraconstitucionais (Lei nº 1.079/1950) os crimes ditos de responsabilidade, quando cometidos pelo Presidente da República, ensejam o impeachment. Todavia, para a abertura do processo serão ainda necessários 342 votos dos deputados, do total de 513 componentes. Passada esta etapa, o processo será julgado pelo Senado Federal e decidido por um mínimo de 54 votos, de um total de 81.

Ocorre que pelos fundamentos legais deste processo, perpassam sérias crises política, econômica e de confiança. A volta da inflação e a notícia de diversos escândalos de corrupção e pilhagem descarada do erário (lava-jato) envolvendo valores nunca antes vistos, vêm reduzindo a popularidade do governo federal à cifra de apenas um dígito. O país parece estar em desgoverno e em lamentável agonia!

Apesar da defesa governamental de que se trata de um artifício para destituir, ilegalmente do poder, um governante que lá chegou, democraticamente pelo voto popular, juridicamente, impeachment não é golpe.  Se comprovada a improbidade administrativa desenhada pelas pedaladas fiscais que resultaram em déficit orçamentário de mais de R$ 100 bilhões, estaria configurado o crime apontado pela Contabilidade Pública.

Parece mesmo ser a nossa sina, que os mais relevantes acontecimentos políticos deste país costumem ocorrer por processos traumáticos e, em geral, desencadeados por “adoráveis” anti-heróis. Estes personagens de reputação duvidosa que, por motivação pessoal ou política, resolvem agir ou colocar a boca no trombone, promovendo uma radical mudança no eixo da história. Foi assim com PC Farias, Pedro Collor de Mello, Roberto Jefferson e, agora, o também ameaçado Cunha.

O final ainda é desconhecido, mas o início deste processo criou a possibilidade de que o apelo das ruas possa ser confirmado e que o país volte a avançar.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 03 de dezembro de 2015

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OAB: Patrimônio de todos

 

Aquele pacote entregue na sede da OAB do Rio de Janeiro parecia um evento comum, numa tarde despretensiosa, daquele dia 27 de agosto de 1980. Mas, não era! Nele, havia uma bomba dirigida ao então presidente, Eduardo Seabra Fagundes, que acabou por vitimar a secretária Lyda Monteiro da Silva, que lá trabalhava havia 40 anos.

Desde 1930, quando foi criada, a OAB tem enfrentado várias ameaças em sua caminhada em prol da manutenção do Estado de Direito Democrático e da blindagem incansável das instituições públicas e privadas deste país.

Tendo em seu escopo principal a defesa incondicional dos direitos humanos e das prerrogativas profissionais, a Ordem dos Advogados do Brasil se transforma na voz constitucional dos cidadãos (Art. 133, CF/88), resguardando-se sempre, da nefasta ingerência que algumas autoridades poderiam querer exercer sobre suas premissas.

A despeito desta necessária missão, também ainda se vêem, de forma recorrente, várias ações externas sendo arquitetadas com o intuito de desviar a OAB de seus objetivos. É assim, por exemplo, quando um parlamentar defende o fim do Exame de Ordem. Ao legislar nesta direção, enfraquece a proteção da sociedade quanto ao desqualificado exercício da advocacia, além de cometer um patente desvio de finalidade. Precisamos nos perguntar: a quem interessa fragilizar esta Instituição?

A propósito, estão próximas as eleições (19 de novembro de 2015) em que serão escolhidos os conselheiros da OAB em todo o Brasil. Momento que desperta o natural interesse não só de advogados, mas também de toda a sociedade dada a influência que tal órgão pode exercer sobre a vida das pessoas.

Entretanto, o que se espera daqueles que, legitimamente, disputam o pleito é o uso desmedido de urbanidade e responsabilidade. A honra e o desejo de dirigir uma entidade de tamanha importância não deve justificar o uso de práticas eleitorais pouco ortodoxas e que possam envergonhar toda a categoria, no futuro.

Afinal, além de tantas outras ameaças, a OAB não precisaria também do “fogo amigo” como mais um dos desafios a ser enfrentado em sua histórica jornada.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 14 de outubro de 2015

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