Cartier-Bresson por seu amigo Pierre Assouline

 

Pierre Assouline
Pierre Assouline

Por mais rica em experiências tenha sido a vida de uma pessoa, muito do que se lê e lhe causa emoção em sua biografia, se deve ao amor, dedicação e a competência do biógrafo que se propôs a fazer este relato. Parece-me ser exatamente este o caso do livro “O olhar do Século” (já mencionado aqui neste blog), sobre a vida do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson, irretocavelmente escrito por Pierre Assouline. Como ele mesmo se definiu, acima de tudo ele era um admirador de Bresson, algo que certamente transcendia à mera idolatria, conforme se depreende do título do prefácio da obra “Quando o herói se torna um amigo”.

 

O biógrafo deixa clara a personalidade de seu ídolo como sendo de uma pessoa impaciente, curiosa, indignada, entusiasmada e, algumas vezes, colérica. Em resumo, o que Bresson tinha de admirável em sua obra e em sua indiscutível sensibilidade artística, às vezes, se confrontava com a seu difícil temperamento e sua acidez provocativa. Em trecho, Assouline diz sobre Bresson”...nada o deixa mais secretamente feliz do que fazer um uso deliberado do aristocrático prazer de desagradar. Quando pensamos em tudo o que seus olhos viram, sentimos vertigens…”.

Em sua primeira visita à casa/ateliê de Bresson, para o início das anotações que resultaram em sua obra biográfica (absolutamente autorizada), Assouline nos remete, de forma perfeita, ao ambiente em que ele estava inserido naquele dia, tendo o descrito assim: “.…o mobiliário estava reduzido à mais absoluta simplicidade, uma biblioteca transbordando de livros de arte e catálogos de exposições com encadernações gastas de tão manuseadas. Nas paredes, em molduras de vidro um pouco deterioradas, desenhos de seu pai, guaches de seu tio e duas fotografias que não eram suas: uma tirada pelo húngaro Martin Munkacsi por volta de 1929, três meninos negros de costas, correndo à contraluz na direção das águas do lago Tanganica; a outra, pertencente ao Museu da Revolução no México, do mexicano Agustin Casasola, mostrando o falsário Fortino Samano, em 1913, diante do pelotão de fuzilamento dando as costas para o muro, com as mãos nos bolsos e um cigarro nos lábios, esboçando um sorriso de provocação e fazendo pose insolente para melhor enfrentar a morte (foto abaixo). A primeira expressa a alegria de viver no que ela tem de mais intenso e espontâneo; a segunda, a liberdade absoluta apreendida no momento fatídico em que ela ultrapassa o ponto do não-retorno“. O meu grifo, na frase que se refere à segunda fotografia, é só mais uma exclamação pessoal, pela primazia e profundidade de seu conteúdo.

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A descrição clássica de Bresson, na obra, feita por Assouline, mais se parece como uma homenagem, como de fato era: “...eu sabia que lhe dedicaria não um artigo, mas um livro. Não apenas ao maior fotógrafo vivo, a desenhista renascido, ao repórter de longa data, ao aventureiro tranquilo, ao viajante de outras eras, ao contemporâneo essencial, ao fugitivo constante, ao geômetra obsessivo, ao budista agitado, ao anarquista puritano, ao surrealista não-arrependido, ao símbolo da imagem no século, ao olho que escuta, mas principalmente ao homem por trás desses todos, aquele que os reúne, um francês em seu tempo. Como disse o poeta, é do homem que se trata...”.

Ao que tudo indica Bresson viveu uma vida simples. Muitas vezes, ao final de sua vida, não lidava muito bem com extrema a fama que ostentava, na França, não sem motivo. Como bem depreende Assouline: “...assim como ganha em ser conhecido, ele gostaria de ganhar o mesmo em mistério. Não se importa de ser famoso, com a condição de poder continuar desconhecido. Seu plano é morrer jovem, mas o mais tarde possível….”

Naquela altura de sua vida, quando alguém reconhecia Bresson na rua e lhe perguntava, se ele era mesmo o Henri Cartier Bresson, ele surpreendentemente respondia “...eventualmente…“. Uma resposta inusitada para os comuns mas, talvez, muito comum, para Bresson.

Veja também o blog de Pierre Assouline no “Le Monde“, chamado “La république des livres“. Está em francês (claro…rs…), mas pode ser traduzido, de forma precária, pelas ferramentas de tradução do Google.

HSF

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