Se falta virtude, falta tudo

Uma coisa chama a atenção nos discursos das mais altas autoridades do país. Elas dizem: houve o desvio, mas houve também a conquista social; houve a corrupção, mas a descontinuidade do Governo pode atrasar as reformas de que o país precisa.

Tentam passar a ideia de que os fins justificam os meios e que algumas desonestidades seriam necessárias! Ora, assim como não existe meia verdade, não existe relatividade na questão ética. A virtude é um valor absoluto.

Se não priorizarmos a ética agora, a consciência coletiva acabará sendo anestesiada e então as pessoas começarão a achar tudo normal, até chegarem à conclusão desastrosa de que a mentira e o crime compensam.

Todos nós aprendemos que o exemplo tem que vir de cima. Governos que mentem e desrespeitam sua Constituição não estão ensinando coisa boa para nossos jovens e nossas crianças.

A democracia precisa da virtude para existir de fato. Ela tem necessidade de justiça para ser legitimada porque não é uma conquista de um Estado, mas uma vitória de todos os seus cidadãos.

Restaurar a democracia brasileira é restaurar, em primeiro lugar, os valores humanos em todos os segmentos da sociedade. Mas nós só vamos conseguir edificar uma nova República a partir da consciência de que não é a sociedade que muda, são as pessoas! A verdadeira revolução é só possível dentro de cada indivíduo.

Se cada brasileiro se determinar a aperfeiçoar o seu caráter, aí sim a sociedade mudará e todos poderão desfrutar de uma vida mais saudável e mais digna. A mudança é um processo individual que interfere no coletivo, e não o contrário.

Esse aperfeiçoamento do caráter passa por ser austero com as pequenas atitudes do cotidiano, porque não existe relatividade na corrupção! Não importa se foi uma pequena ou uma grande contravenção, é corrupção do mesmo jeito.

A fila que foi furada, a pechincha que foi exagerada, a mentirinha que foi contata, a alfândega que foi burlada, o troco a mais que não foi devolvido, a carteirinha de estudante falsificada… tudo isso é corrupção e como tal precisa ser banida se quisermos de fato viver numa sociedade nova, formada por pessoas íntegras e éticas.

Já se desenvolveu muita teoria para definir a Ética. Talvez ela seja a palavra mais usada nos discursos políticos, mas o que se espera na verdade não é definição teórica ou entendimento intelectual, e sim vivência e prática, porque ética é acima de tudo um fenômeno espiritual, próprio de cada um.

Existe uma frase de que gosto muito, que explica bem a questão da virtude: “O caráter é mostrado por aquilo que a gente faz quando ninguém nos observa”. O Brasil inteiro precisa refletir sobre isso.

Na sua época, Rui Barbosa dizia: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver crescer os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

O que mais se vê hoje no país é isto: pessoas sentindo vergonha de serem honestas diante de tanto exemplo de desonestidade vindo de cima. Por isso é preciso iniciar, e com urgência, a revolução ética que a sociedade está pedindo.

É muito importante que todos os representantes políticos deixem seus egos de lado e tenham maturidade para trabalhar em torno de um projeto de união nacional pela restauração das virtudes humanas e pelo restabelecimento da democracia, porque se falta virtude, falta tudo.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Tribuna”, em 20 de outubro de 2017

Lições de ídolo

Uma de minhas boas lembranças da infância era a de meu pai, no café da manhã, vestido com um impecável terno, dividindo sua atenção entre o pão com manteiga e a sagrada leitura do jornal, enquanto mexia de forma ritimada, o seu café com leite. Lembro da segurança e da tranquilidade que aquela imagem me passava. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Enquanto via a cena, era impossível deixar de pensar: quero ser igual a ele.

Não sei quantas vezes, ao longo de minha vida, me vi agindo como meu pai. Não posso afirmar, exatamente, qual grau de influência a sua figura exerceu sobre as minhas escolhas, mas reconheço a enorme importância de termos alguém em quem nos espelhar, dentro ou fora de casa.

No esporte, esta premissa parece óbvia demais. Uma juventude sem ídolos, não consegue ser impulsionada por exemplos e, assim, tem poucas chances de gerar bons frutos, ou seja, craques que venham a se tornar novos ídolos, no futuro.

E foi sob a admiração de seus mais inesquecíveis ídolos que o esporte brasileiro ganhou destaque no cenário mundial. Fico pensando o bem que Pelé, Zico, Ayrton Senna, Oscar, Guga e tantos outros fizeram ao imaginário de inúmeras crianças que tiveram a felicidade de optar pelo esporte, a trilhar pelo amargo caminho das ruas, tudo por conta do amor que tinham por seus ídolos.

No âmbito profissional, não é diferente! Foram muitos os profissionais que figuraram em minha lista de exemplos a seguir. Tanto no aspecto técnico, ético e humano, tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos daqueles que hoje, sem dúvida, considero meus ídolos da profissão.

Na área contábil, o maior deles foi Antônio Lopes de Sá. Um gênio das ciências contábeis e da humildade, que lia meus artigos e dizia: “…Parabéns! Você tem muito talento. Continue assim mas, antes, vamos rever alguns conceitos…”. E aí ele, ao seu jeito, sugeria mudanças no meu texto, de uma maneira tão peculiar que, mesmo sendo corrigido, me fazia ficar feliz da vida!…

Certa vez, no início de minha carreira, conheci Elmo Lopes da Cunha. Respeitado contador e advogado que gostava muito de ajudar os colegas, dando a sua interpretação da lei, pela facilidade maior que tinha com a hermenêutica. Ele era “perseguido” e admirado por todos. Pensei: “…preciso colar nele. Quero ser assim também…”. E, depois, ainda vieram Itamar Silva, José de Lima e tantos outros que dividiram comigo sua experiência e sua amizade.

No direito, também foram muitos os meus exemplos. Lembro do inesquecível Milton Murad que, com sua tenacidade e perspicácia, dava respostas inimagináveis aos problemas que a ele eram apresentados. Também aprendi muito com Oswaldo Bergi. Figura simples e carismática, de jeito manso e que ensinava com exemplos. Mais tarde, veio a se transformar em sinônimo de “direito tributário”, especialidade com a qual até hoje, ganho a vida.

Posso dizer, sem medo de errar, que o sucesso profissional de uma pessoa que não possua ídolos, é muito mais difícil. Da mesma forma, em uma visão mais ampla, reside aí a grave crise de identidade que hoje vive o Brasil. Afinal, não se pode esperar muito do desenvolvimento social e humano de um cidadão que não teve bons exemplos a seguir nem de seus familiares e, muito menos, de seus governantes.

Mas, voltando ao profissional, por ironia da vida, muitos anos depois, acabei sendo agraciado com as Comendas “Elmo Lopes da Cunha” e “Itamar Silva”, as mais altas honrarias capixabas que um profissional da contabilidade poderia desejar. Aqueles que foram meus ídolos e amigos do passado, se eternizaram na estante de meu escritório, como reconhecimento pelo trabalho à classe.

Hoje, quando alguém me pergunta o que deve fazer para ter sucesso profissional, eu nem hesito e vou logo dizendo: primeiro, trate de arrumar alguns bons exemplos para ter em quem se espelhar e, depois, leve muito a sério os estudos.

O exemplo ainda é a melhor forma de ensinar e de formar uma pessoa. Ainda tenho muito a aprender e ídolos a seguir. Mas, pelo que a vida já me deu, sou grato a todos que, direta ou indiretamente, me influenciaram para que eu chegasse até aqui. Em especial, ao meu pai que, mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de ver o que fez por mim, deixou a sua marca indelével na essência de tudo que faço.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 1, MAIO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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