Tempos apocalípticos (por Paulo Brossard)

Minha filha Magda me advertiu de que estamos a viver tempos do Apocalipse sem nos darmos conta; semana passada, certifiquei-me do acerto da sua observação, ao ler a notícia de que o douto Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado, atendendo postulação de ONG representante de opção sexual minoritária, em decisão administrativa, unânime, resolvera determinar a retirada de crucifixos porventura existentes em prédios do Poder Judiciário estadual, decisão essa que seria homologada pelo Tribunal. Seria este “o caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de Estado laico” e da separação entre Igreja e Estado.

Tenho para mim tratar-se de um equívoco, pois desde a adoção da República o Estado é laico e a separação entre Igreja e Estado não é novidade da Constituição de 1988, data de 7 de janeiro de 1890, Decreto 119-A, da lavra do ministro Rui Barbosa, que, de longa data, se batia pela liberdade dos cultos. Desde então, sem solução de continuidade, todas as Constituições, inclusive as bastardas, têm reiterado o princípio hoje centenário, o que não impediu que o histórico defensor da liberdade dos cultos e da separação entre Igreja e Estado sustentasse que “a nossa lei constitucional não é antirreligiosa, nem irreligiosa”.

É hora de voltar ao assunto. Disse há pouco que estava a ocorrer um engano. A meu juízo, os crucifixos existentes nas salas de julgamento do Tribunal lá não se encontram em reverência a uma das pessoas da Santíssima Trindade, segundo a teologia cristã, mas a alguém que foi acusado, processado, julgado, condenado e executado, enfim justiçado até sua crucificação, com ofensa às regras legais históricas, e, por fim, ainda vítima de pusilanimidade de Pilatos, que tendo consciência da inocência do perseguido, preferiu lavar as mãos, e com isso passar à História.

Em todas as salas onde existe a figura de Cristo, é sempre como o injustiçado que aparece, e nunca em outra postura, fosse nas bodas de Caná, entre os sacerdotes no templo, ou com seus discípulos na ceia que Leonardo Da Vinci imortalizou. No seu artigo “O justo e a justiça política”, publicado na Sexta-feira Santa de 1899, Rui Barbosa salienta que “por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz”… e, adiante, “não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”.   Em todas as fases do processo, ocorreu sempre a preterição das formalidades legais. Em outras palavras, o processo, do início ao fim, infringiu o que em linguagem atual se denomina o devido processo legal. O crucifixo está nos tribunais não porque Jesus fosse uma divindade, mas porque foi vítima da maior das falsidades de justiça pervertida.

Não é tudo. Pilatos ficou na história como o protótipo do juiz covarde. É deste modo que, há mais de cem anos, Rui concluiu seu artigo, “como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.

Faz mais de 60 anos que frequento o Tribunal gaúcho, dele recebi a distinção de fazer-me uma vez seu advogado perante o STF, e em seu seio encontrei juízes notáveis. Um deles chamava-se Isaac Soibelman Melzer. Não era cristão e, ao que sei, o crucifixo não o impediu de ser o modelar juiz que foi e que me apraz lembrar em homenagem à sua memória. Outrossim, não sei se a retirada do crucifixo vai melhorar o quilate de algum dos menos bons.

Por derradeiro, confesso que me surpreende a circunstância de ter sido uma ONG de lésbicas que tenha obtido a escarninha medida em causa. A propósito, alguém lembrou se a mesma entidade não iria propor a retirada de “Deus” do preâmbulo da Constituição nem a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro durante os dias e todas as noites.

Link da Revista Veja aqui.

Uma luta permanente

 

A mais contundente iniciativa em favor dos direitos humanos se deu em dezembro de 1948, motivada pelos horrores do holocausto, na segunda grande guerra mundial e pelo nefasto acúmulo de desrespeitos à dignidade da pessoa humana até então observados no mundo daquela época.

Nascia um instrumento de 30 artigos, traduzido para mais de 360 línguas, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, cujo primeiro comando nos lembra aquilo que, aparentemente, deveria ser óbvio: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”.

Mas, no aniversário dos 63 anos deste marco histórico, é impossível ignorar o fato de que, atualmente, uma infinidade de pessoas ainda não pode expressar a sua fé, emitir livremente suas opiniões. Milhões de pessoas morrem por doenças banais, sofrem tortura, constrangimentos pela cor de sua pele ou pela sua orientação sexual. Opressões e injustiças de toda natureza, não passam despercebidas neste mundo globalizado. Nesta noite mesmo, milhões de crianças dormirão com fome e sem um abrigo digno.

Por exemplo, no Brasil, boa parte da população é privada de educação, cultura, saúde e informação. No Espírito Santo, talvez ainda existam pessoas trabalhando sob o regime de escravidão. Muitos condenados que até pouco tempo eram enjaulados nas vergonhosas prisões “microondas”, hoje, provavelmente, cumprem indevidamente uma pena que já foi paga à sociedade.

É de se perguntar, então, o que se deve comemorar? Ainda que os progressos práticos pudessem ter sido maiores, o grande motivo de comemoração foi a conquista da consciência dos “Direitos Humanos” como ideário a ser alcançado pelos habitantes deste planeta.

Não se trata, porém, de uma tarefa simples. Bem ao contrário, a luta em favor dos direitos dos cidadãos deve ser permanente e deve contar com o apoio integrado dos entes públicos, privados e de toda a sociedade organizada. Em nosso cotidiano, bem ao nosso lado, certamente, encontraremos algum exemplo de desumanidade que nos exigirá um esforço único para combatê-lo. É, sim, nossa responsabilidade melhorar o mundo em que vivemos, sob pena de continuarmos protagonizando avanços medíocres, neste segmento.

Neste aspecto, merece destaque a corajosa atuação da Ordem dos Advogados do Brasil em prol do combate incansável às injustiças sociais em nosso país. A rigor, se não existe justiça sem o advogado, como poderíamos imaginar respeito aos Direitos Humanos sem a sua imprescindível e constitucional atuação? Para tanto, deve o advogado travar suas lutas pessoais em favor do mais absoluto respeito às suas prerrogativas, costumeiramente vilipendiadas, sem as quais, se vê limitado em sua nobre função.

Aliás, o advogado e ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, um dos maiores ícones da luta pelos Direitos Humanos no mundo, retrata de forma precisa a dimensão de nossa missão quando diz …. “Não há caminho fácil para a Liberdade.”

HSF

Artigo publicado no jornal “A Gazeta”, em 16 de dezembro de 2011. Link original: aqui.

Como pode?

Ontem, o bicho pegou em pleno Shopping Vitória! Quatro assaltantes, muito bem armados, entraram no Shopping e foram direto para o Banco do Brasil, sabedores de que era próxima a hora do transporte de valores feita por estas empresas de vigilância. Foi uma merda geral! Tiro pra todo lado e, pior, dois vigilantes mortos (com tiros na cabeça) e uma criança ferida na perna, sem risco de morte. Os caras levaram os malotes com a grana e saíram do local, pra variar, de moto.

A pergunta que me faço talvez tenha sido a mesma que esses bandidos fizeram enquanto planejavam seu feito. Como pode ser possível que quatro vagabundos, armados até os dentes, possam entrar num Shopping, com uma porrada de seguranças (bem vestidos de colete e gravata), com central de monitoramento e filmagem abrangendo quase até as portas dos banheiros, fazer o que fizeram? É verdade que a operação foi rápida! Mas, saírem sem deixar pistas? A minha reconhecida ignorância em matéria de segurança não me permite entender.

Parece coisa de gente velha, mas não é de hoje que quando me deparo na rua, com aqueles carros blindados e os vigilantes com dedo no gatilho olhando de uma lado a outro, enquanto seus colegas carregam sacos de dinheiro para dentro ou pra fora de um banco, chego a mudar a direção de meu trajeto. Se for preciso, atravesso a rua e me mantenho bem distante daquela cena dantesca.  Sempre fiz isso, porque sei que ali é potencialmente um momento do “tudo ou nada” pra quem pretende botar a mão na grana alheia. É como se algo me dissesse: “sai fora porque pode dar merda!”. Foi numa cena semelhante a essa que tudo aconteceu ontem.

Como a cerca sempre é reforçada depois de uma bem sucedida invasão, acredito que neste caso não será diferente. Novas tecnologias e novas rotinas de segurança serão implantadas a partir de logo. Se em Shopping Center, normalmente, tudo é mais caro por ser este um local que transmite ao cliente a necessária segurança para circular com a família, como fica esta certeza a partir de agora?

Quando entro num saguão de um aeroporto, acho um saco ter de passar por todo aquele aparato de segurança, de revista pessoal, detectores de metal e de tantas outras técnicas investigativas. Mas depois, devo confessar que é um dos lugares em que me sinto mais confortável em matéria de segurança. Sei que ninguém vai enfiar uma faca ou um “tresoitão” no meu fígado e fazer meu notebook, sem eu poder emitir um único pio. É o alto preço que se paga por um mínimo de segurança.

Sou pessimista quanto ao nosso futuro, principalmente, para quem vive em cidades grandes. Sei que, cada vez mais, precisaremos ser “incomodados”, tal qual se faz em aeroportos, para que possamos ter a mínima garantia de que um passeio no Shopping ou na praia, por exemplo, não se transformará em tragédia.

Não tenho, nem nunca tive nenhuma vocação para encontrar justificativas para o mundo ser como ele é. Procuro viver a minha vida respeitando e esperando respeito de quem me cerca. Entender a mente de um bandido que mata a sangue frio por dinheiro, vai muito além de minhas pretensões de vida, como pragmático que sou. Para estes casos, existem inúmeras pessoas que, engajadas nos direitos humanos, fazem um invejável trabalho que, indubitavelmente, deve contribuir para a melhoria do mundo em que vivemos.

Eu, por reconhecida incompetência na área humanística, me limito a torcer. Torcer para que a segurança dos centros comerciais para os quais levamos nossas famílias possam melhorar consideravelmente. E, por fim, torcer muito para que estes quatro marginais sejam descobertos e se vejam desprevenidos no meio de um fortíssimo e insuperável cerco policial e que, em momento algum, hesitem em reagir violentamente à prisão, com todas as suas forças. E que se faça a desejada dicotomia: sofrimento, dessa vez, de suas famílias e um enorme favor para a sociedade.

HSF

Íntegra da matéria: aqui.