Sinais exteriores de pobreza

Tenho convivido ao longo dos últimos anos com o termo “sinais exteriores de riqueza”. A própria Receita Federal do Brasil (RFB) se utiliza deste termo para justificar a escolha de um determinado contribuinte para uma conversa, digamos, mais íntima ou mais invasiva (rss…). É a famigerada “malha”, amigo! Pensa-se, por óbvio, assim: se o indivíduo ostenta um iate de R$ 5 milhões e anda pra cima e pra baixo de Maserati, é de se presumir que ele tenha renda lícita e declarada que suporte a manutenção mínima destes brinquedos. Em princípio, é isso que se quer investigar…

Mas, curiosamente, coleciono certos fenômenos observados no meu daytona_goldcotidiano que dizem respeito, também à ostentação, só que, às avessas. Certa vez, encontrei o motoboy da empresa usando um relógio dourado muito diferente. Aquilo me chamou tanto a atenção, que resolvi dar uma investigada, de leve. Aí travou-se o seguinte diálogo:

– Bom dia, Rogério! Tudo bom?

– Tudo, doutor. Na luta, né?!

– É, isso aí. Bonito esse relógio que você tá usando, hein!?

– Gostou, doutor?! Obrigado…

– Rogério, você sabe como é o nome deste relógio?!

– Sei não senhor. Tem nome, é!? hahaha….

– Chama-se Rolex Daytona Gold. Este “gold” quer dizer ouro…sabia?!…

– Hummmm…irado.

– E, Rogério, você tem idéia de quanto custa um relógio desse?!

– Já entendi, já entendi….doutor, eu sei que é caro. Mas, fique tranquilo porque eu tenho como explicar. Fiz nada errado não, fica tranquilo, tá!? O rapaz que me vendeu dividiu pra mim em 5 parcelas. Aí ficou fácil, entendeu?! Mas, vale a pena. Olha só que presença que me deu!? Até o senhor reparou, viu!?

– Eu sei que é caro, Rogério. Mas, se você não se importar, fala pra mim quanto foi, fala!?

– Doutor, só peço pro senhor não falar pra mais ninguém aqui na empresa, tá!? O senhor sabe, tem gente invejosa, por aí, tá ok!?

– Tá combinado.

– Bom, essa belezura dourada aqui custou R$ 269,00. Mas, por favor, sem sermão doutor. Minha mãe já colou no meu saco quando me viu com esse relógio, ok!? Até porque, já tô atrasado pras entregas. Mas, o senhor ainda quer saber onde eu comprei, não quer?! Quer um igual também, né?!…

– Não, Rogério, obrigado. Deixa pra depois. Eu só pensei que você não soubesse quanto seu relógio custava, só isso! Bom trabalho e cuidado pra não ser assaltado, hein!?

– Valeu doutor! E, ó: boca de siri! Só o senhor e minha mãe sabem quanto vale meu relógio, hein!?

– Pode ficar tranquilo….

Nem tive coragem de dizer pra ele que aquela peça, original, custava uns cinquenta mil reais, no barato. Ainda que possa parecer uma avaliação preconceituosa, é inevitável alguém olhar para o Rogério e achar que aquele motoboy conseguiu juntar toda aquela grana para comprar um relógio daquele que custa o equivalente a umas 15 motocicletas do tipo usada por ele, como ferramenta de trabalho. Vê-se, logo, que se trata de uma peça falsificada. Réplica, como alguns preferem chamar.

Sempre detestei a idéia de usar algo que não fosse original. Prefiro usar aquilo que eu possa pagar, além de não gostar de saber que estaria colaborando com uma perversa e mafiosa indústria de falsificação de produtos de luxo. Com base nisso e conversando lá em casa sobre o caso do Rogério, concluímos que talvez eu devesse informá-lo sobre as consequências de usar um produto falsificado daquele. Preparei o discurso e o chamei em minha sala. Resolvi fazer a boa ação do dia…

Quando ele entrou na sala e sentou na minha frente, foi um desastre para as minhas pretensões. Fiquei desmontado quando vi, fazendo conjunto com aquele Rolex Daytona, de 300 gramas de ouro maciço, agora também um lindo óculos Bulgari e uma sensacional camiseta da Guess. Passou-se um silêncio estarrecedor até ser interrompido pelo motoboy mais fashion da capital:

– O senhor que falar comigo, não é, doutor!?

– É…queria sim……é que……assim……você se importaria de me dizer onde foi que você comprou seu relógio?

– Eu sabia! Eu sabia que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde!Vamos ser só nós dois usando ele aqui na empresa, tá?!….

Todo feliz, ele arranca do bolso um pedaço de papel, daqueles de embrulhar pão, bem dobradinho. Dentro, havia o endereço do “fornecedor” e fora o destinatário: “p/ o chefe”. Ele tinha mesmo convicção de que eu não resitiria e pediria aquele maldito endereço.

Tenho até hoje guardado aquele papel. É a mais absoluta prova de que “sinais exteriores de pobreza” também existem.

HSF

Publicado por

Haroldo Santos Filho

Advogado, contador, consultor de empresas, especialista em processo civil e direito tributário, mestre em administração, gosta de viagens, fotografia, cinema, corrida e tênis

6 comentários em “Sinais exteriores de pobreza”

  1. Essa história ficou excelente, e isso ocorre mesmo, muita gente compra produtos falsificados para chamar a atenção e muitas vezes não tem noção do valor que teria se fosse real.

  2. Muito boa a história… dá até p/ imaginar a cena. Concordo com você, ridículo que quer ostentar posse e riqueza só p/ se mostrar aos outros, só demonstra o pior tipo de pobreza, a de espírito.

  3. Olá Lílian, boa noite! Como vai!? Obrigado pela sua participação. De fato, a pobreza de “espírito” é a pior porque a sua “cura” é mais difícil do que quando nos referimos à pobreza material, pois esta última, passa-nos a idéia de ser somente um estado temporário. Um grande abraço e apareça sempre! HSF

  4. Muito boa a história, chega a ser até emocionante.
    Concordo com a questão de adquirir produtos originais. Trata-se de ser quem você é de verdade.

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