Entre duas datas

No mundo ocidental, em geral, lida-se mal com a morte. Para uns é tabu. Para outros, uma oportunidade de nutrir crenças em hipóteses que, por mais improváveis que possam ser, lhes dão o conforto necessário para seguir em frente.

Eu não sou diferente. Tenho horror a esta verdade inexorável de que “todos vamos morrer um dia”. Mas, toda vez que me vejo “obrigado” a ir a um cemitério, tenho uma forma inusitada de enfrentar a questão. Sempre que possível, faço um respeitoso passeio naquele ambiente, observando, nas lápides, os nomes daqueles que se foram, tentando imaginar que tipo de vida eles teriam levado.

Como teria sido a infância daquela pessoa? O que queria ser quando crescesse? Gostava de esportes? Que comida ela mais apreciava? Contava piadas? Gostava de viajar? Tinha sonhos? E conseguiu realizá-los? Amou e foi amada por alguém? Quais eram seus medos? Teve uma grande paixão? Quantos filhos teve? E, netos? Enfim, muitas perguntas que, respondidas, nos dariam uma boa pista de quem foi aquela pessoa.

Mas, algo sempre me chamou a atenção. Por ser pragmático, a história de vida de alguém, é simploriamente representada pelo seu nome e por duas datas: o dia em que nasceu e o dia em que morreu. Pouco, para quem viveu toda uma vida! Não seria este um dos motivos pelos quais o número de visitantes nestes locais de “paz eterna” esteja cada vez menor?

Era a hora de usarmos a tecnologia para mudar este cenário. Vídeos, fotos, áudios, textos e tudo o mais que se relacionasse a alguém que tenha partido poderia ser colocado à disposição de todos, pela família, como forma de homenagear seus entes queridos. Não me refiro a uma celebridade, mas ao cidadão comum, mesmo!

Um simples código em sua lápide e o uso associado do smartphone seriam suficientes para que o universo pessoal daquele “desconhecido” se abrisse à nossa frente. Estaríamos diante da história de alguém que fez parte deste mundo e que participou, à sua maneira, da construção de tudo o que vemos hoje.

O dia de finados passaria a ter outro sentido. Seria uma oportunidade de lembrar e se divertir ao rever cenas do convívio de muita gente querida. Vai ser difícil segurar a emoção ao ouvir de novo a gargalhada que só aquela pessoa amada conseguia dar.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 3, NOVEMBRO/DEZEMBRO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

 

Entre duas datas - Revista Eklética nº 3, ano I

Pátria do Impeachment

Em 1992, a democracia brasileira deu um importante passo para o reconhecimento mundial, ao promover o primeiro processo de impeachment presidencial de nossa história. Fernando Collor de Mello era condenado à perda de seu mandato, tendo assumido seu vice, Itamar Franco.

Vinte e três anos depois, embora em momentos políticos absolutamente distintos, parece estarmos diante de um anunciado déjà vu. Neste 02/12/2015, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, informou o acolhimento de um dos mais de trinta pedidos de abertura de processo contra a Presidente Dilma Roussef, protocolados naquela Casa de leis.

Previstos pela Constituição Federal e por normas infraconstitucionais (Lei nº 1.079/1950) os crimes ditos de responsabilidade, quando cometidos pelo Presidente da República, ensejam o impeachment. Todavia, para a abertura do processo serão ainda necessários 342 votos dos deputados, do total de 513 componentes. Passada esta etapa, o processo será julgado pelo Senado Federal e decidido por um mínimo de 54 votos, de um total de 81.

Ocorre que pelos fundamentos legais deste processo, perpassam sérias crises política, econômica e de confiança. A volta da inflação e a notícia de diversos escândalos de corrupção e pilhagem descarada do erário (lava-jato) envolvendo valores nunca antes vistos, vêm reduzindo a popularidade do governo federal à cifra de apenas um dígito. O país parece estar em desgoverno e em lamentável agonia!

Apesar da defesa governamental de que se trata de um artifício para destituir, ilegalmente do poder, um governante que lá chegou, democraticamente pelo voto popular, juridicamente, impeachment não é golpe.  Se comprovada a improbidade administrativa desenhada pelas pedaladas fiscais que resultaram em déficit orçamentário de mais de R$ 100 bilhões, estaria configurado o crime apontado pela Contabilidade Pública.

Parece mesmo ser a nossa sina, que os mais relevantes acontecimentos políticos deste país costumem ocorrer por processos traumáticos e, em geral, desencadeados por “adoráveis” anti-heróis. Estes personagens de reputação duvidosa que, por motivação pessoal ou política, resolvem agir ou colocar a boca no trombone, promovendo uma radical mudança no eixo da história. Foi assim com PC Farias, Pedro Collor de Mello, Roberto Jefferson e, agora, o também ameaçado Cunha.

O final ainda é desconhecido, mas o início deste processo criou a possibilidade de que o apelo das ruas possa ser confirmado e que o país volte a avançar.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 03 de dezembro de 2015

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OAB: Patrimônio de todos

 

Aquele pacote entregue na sede da OAB do Rio de Janeiro parecia um evento comum, numa tarde despretensiosa, daquele dia 27 de agosto de 1980. Mas, não era! Nele, havia uma bomba dirigida ao então presidente, Eduardo Seabra Fagundes, que acabou por vitimar a secretária Lyda Monteiro da Silva, que lá trabalhava havia 40 anos.

Desde 1930, quando foi criada, a OAB tem enfrentado várias ameaças em sua caminhada em prol da manutenção do Estado de Direito Democrático e da blindagem incansável das instituições públicas e privadas deste país.

Tendo em seu escopo principal a defesa incondicional dos direitos humanos e das prerrogativas profissionais, a Ordem dos Advogados do Brasil se transforma na voz constitucional dos cidadãos (Art. 133, CF/88), resguardando-se sempre, da nefasta ingerência que algumas autoridades poderiam querer exercer sobre suas premissas.

A despeito desta necessária missão, também ainda se vêem, de forma recorrente, várias ações externas sendo arquitetadas com o intuito de desviar a OAB de seus objetivos. É assim, por exemplo, quando um parlamentar defende o fim do Exame de Ordem. Ao legislar nesta direção, enfraquece a proteção da sociedade quanto ao desqualificado exercício da advocacia, além de cometer um patente desvio de finalidade. Precisamos nos perguntar: a quem interessa fragilizar esta Instituição?

A propósito, estão próximas as eleições (19 de novembro de 2015) em que serão escolhidos os conselheiros da OAB em todo o Brasil. Momento que desperta o natural interesse não só de advogados, mas também de toda a sociedade dada a influência que tal órgão pode exercer sobre a vida das pessoas.

Entretanto, o que se espera daqueles que, legitimamente, disputam o pleito é o uso desmedido de urbanidade e responsabilidade. A honra e o desejo de dirigir uma entidade de tamanha importância não deve justificar o uso de práticas eleitorais pouco ortodoxas e que possam envergonhar toda a categoria, no futuro.

Afinal, além de tantas outras ameaças, a OAB não precisaria também do “fogo amigo” como mais um dos desafios a ser enfrentado em sua histórica jornada.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 14 de outubro de 2015

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Paradoxo da corrida

O despertador toca às 05:59 da manhã de um sábado chuvoso e eu hesito em levantar diante dos fortes argumentos que corroboram a opção de ficar no quentinho da cama a sair correndo feito louco, na manhã fria, úmida e solitária que me reserva a paisagem de minha janela.

Convenhamos, embora os especialistas cansem de dizer que o nosso corpo foi feito para o constante movimento, as nossas células tentam contradizê-los, deixando claro que a prática regular de exercícios vai de encontro a natureza humana.

Também pudera! Pura herança genética. Em tempos mais remotos seria inconcebível e insano imaginar um exibido homo sapiens sair para uma corridinha matinal de 10 Km, antes do desjejum de javali que o aguardava na fogueira. O normal mesmo seria esperar que ele se preservasse ao máximo para momentos de grande estresse: fugir de predadores ou correr atrás de comida, ambas ações necessárias para perpetuar a espécie.

Na verdade, o corpo humano se moldou, ao longo dos tempos, para ser esta espetacular máquina de otimização de energia que é hoje. Se ficarmos ligados no “automático” o que mais nos parecerá natural será comer exageradamente e afundar no sofá, na frente da TV, economizando energia à espera de algum evento que nos exigiria o máximo esforço.

Só que, como um paradoxo, com alguns de nós, as coisas não funcionam bem assim. Quando lembro da sensação de liberdade que sinto quando estou correndo, dos cheiros e das imagens colecionadas pelo caminho, pulo da cama e esqueço a preguiça! É de se perguntar: será que a “estranha” turma da corrida estaria imune à perversa lógica do “não movimento”? Parece que, de certa forma, sim. Tudo o mais passa a ser secundário quando o assunto é correr!

Costumo brincar e dizer que existem dois grupos bem definidos: aqueles que amam correr e aqueles que não sabem correr. Isso, porque quem começa a correr sem que esteja minimamente preparado para isso, sente desconforto e desprazer, além de se expor a lesões e outros males. Vai logo dizer: “…não gosto de correr!…”.

Infelizmente, tem coisa que não se encontra na prateleira de uma loja. O condicionamento para correr é uma delas. Além disso, é muito difícil explicar com palavras a sensação experimentada por quem corre. O fato é que, mesmo saindo indisposto para correr, bastam alguns minutos de corrida para que as endorfinas façam o trabalho de alegrar e encher de disposição o seu dia.

Mas, a corrida é um esporte que, apesar de democrático, exige planejamento e respeito às etapas pelas quais deverá passar o seu corpo, em preparação. A orientação permanente de especialistas (médicos e preparadores físicos) também é indicada para que o futuro corredor dê passos seguros em direção à sua nova vida. Prudência e perseverança são ingredientes indispensáveis nesta fase, sem esquecer de que quem pretende correr, deve sempre começar andando.

Vivemos em um ambiente cada vez mais estressante e competitivo. Estatísticas nos têm evidenciado que a sociedade moderna tem sido acometida por um substancial aumento de doenças relacionadas ao sedentarismo e à obesidade que somente o exercício regular e a ingesta alimentar qualificada poderia evitar.

Nada mais oportuno do que a escolha de um meio de vida em que se possa se manter saudável e em forma, sem regimes da moda ou exercícios de final de semana. E, por ser o esporte adequado para que se atinjam tais objetivos, a corrida tem se popularizado de forma impressionante em todo o mundo.

O meu desejo é que, cada vez mais corredores “invadam” nossas ruas, alegrando nossas cidades. Quero ver gente mais feliz e saudável, contrariando os alarmantes números de saúde pública, provocados pelos maus hábitos de vida.

O mais difícil talvez seja dar o primeiro passo em direção à mudança. Mas, feito isso, quando menos esperarmos, estaremos brigando pelo tênis de corrida e, não, pelo controle remoto.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 2, AGOSTO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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