A vaquinha e o precipício

Mestre e discípulo caminhavam quando avistaram um casebre. Aproximaram-se e perguntaram como vivia aquela pobre família, pois não viam sinais de comércio ou trabalho por ali. A sua sobrevivência foi atribuída a uma vaquinha que lhes dava leite suficiente para consumo e venda. Ao se afastarem, o mestre ordena então ao discípulo que empurre aquele animal no precipício. Relutante, o discípulo cumpre a ordem.

Durante anos, o remorso por aquele ato perseguiu a mente do executor até que um dia ele resolveu voltar ao local. Ao chegar, se surpreendeu com o que viu. No lugar do casebre havia uma linda casa com jardim exuberante e carro na garagem. Espantado com a aparente prosperidade da família, o discípulo foi perguntar o que havia ocorrido e recebeu a seguinte resposta: “…tínhamos uma vaquinha que caiu do precipício e morreu. Como era nosso único sustento, tivemos de fazer outras coisas, desenvolver outras habilidades que nem sabíamos que tínhamos e, assim, alcançamos o sucesso!”. Não se trata de uma parábola nova, mas, talvez, seja a mais apropriada para o momento atual em que vive o nosso estado.

Pode-se afirmar que historicamente o Espírito Santo nunca tenha gozado de grandes privilégios ou simpatias por parte dos governos centrais, desde que Vasco Fernandes Coutinho aportou, em 1535, em nossa costa. Foram quase 300 anos de abandono até a independência do país, quando então passaram a ser feitos aqui alguns tímidos investimentos. Foi a economia cafeeira e a força imigrante que trouxeram desenvolvimento para nosso estado. Todavia, persistia a sensação de que estávamos sempre a reboque dos federados mais poderosos do entorno e que, a qualquer momento, as regras do jogo poderiam ser mudadas para o benefício alheio, a despeito de nossas necessidades.

De lá pra cá o estado já passou por algumas crises que só foram superadas com muito sacrifício e determinação de seu povo. Recentemente, protagonizamos em Brasília enfrentamentos pela divisão mais favorável dos royalties do petróleo e pela manutenção do FUNDAP. Ainda que tenha havido empenho de nossa bancada federal, foi mais uma luta perdida, pois o desequilíbrio de forças tornava inglória a missão delegada aos nossos representantes. Afinal, o estado representa 2,3 % do PIB e tem um colégio eleitoral de apenas 1,5% do eleitorado nacional. Aos olhos de políticos que só enxergam cifras, não somos nada!

Por isso, é passada a hora de criarmos condições próprias e típicas de atração de negócios que dispensem o inconstante subsídio federal ou que dependa de incentivos financeiros que sempre serão alvo da cobiça dos vizinhos produtores. Para isso, devemos voltar nossa atenção para a infraestrutura (aeroviária, ferroviária, rodoviária), a hotelaria e a especialização de mão de obra. O estado precisa concentrar esforços para se destacar como pólo de excelência em serviços, sem, contudo, abandonar a sua maior vocação portuária e de comércio exterior, pois, nesta seara, temos muito que ensinar ao país.

Caberá aos nossos governantes aplicar toda parcela de recurso próprio possível e o que ainda nos restam dos royalties em estrutura e equipamentos que facilitarão a nossa “independência” futura. Para tanto, certamente, poderão contar com o apoio do bravo povo capixaba, que conhece bem a superação. Não seria logo agora, ao perdermos mais uma “vaquinha”, que fugiríamos à nossa luta!

HSF

Haroldo Santos Filho é advogado, contador, engenheiro e mestre em administração financeira (UnB)

Link: Jornal A Gazeta: aqui

 

Publicado por

Haroldo Santos Filho

Advogado, contador, consultor de empresas, especialista em processo civil e direito tributário, mestre em administração, gosta de viagens, fotografia, cinema, corrida e tênis

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