Minha família sempre foi muito religiosa. Uma herança italiana, característica dos imigrantes que aqui desembarcaram, no início do século XX, com uma mão na frente e outra atrás, mas com uma vontade enorme de trabalhar e uma inabalável fé de que a providência divina haveria de lhes proporcionar dignidade em terras estrangeiras. A mesma fé que confortou a minha mãe, durante os seus últimos 12 anos de vida, marcados por uma luta desleal contra um desgraçado câncer. A fé que conduzia meu pai, à Catedral Metropolitana de Vitória, todo santo dia após o trabalho, para que a missa pudesse lhe dar a paz de espírito necessária, como parecia crer.
Todavia, mesmo todo este ambiente de overdose religiosa, do qual me originei, não foi suficiente para embaçar a minha enorme curiosidade de procurar a minha verdade sobre tudo, me colocando, quase sempre, em posição defensiva quanto a todas as questões que me eram forçadas goela abaixo, sem direito a perguntas. Heresia, para mim, sempre foi não questionar os dogmas! Outro ponto que sempre foi alvo de minha inquietude e repúdio era quando algo perfeito, santo ou puro demais me era apresentado, como real ou possível. Admito que eu chegava a ser inconveniente, com as perguntas que fazia, só para satisfazer o meu capricho de nunca aceitar versões públicas iniciais que tivessem como objetivo, pintar um santo no lugar de um homem. Para mim, essas publicidades oficiais sempre carregavam mais mentiras do que verdades.
Desde criança, me incomodava o fato de que pudesse existir alguma figura heróica qualquer, que fosse intocável, acima de qualquer suspeita, sem erros, quase beatificado. Bastava surgir alguém assim, para eu tentar logo derrubar o mito, sob pena de me sentir diminuído, se não lograsse êxito nesta missão. Eu devia ter uns 7 anos, quando participei de uma solenidade religiosa, anunciada com grande antecedência, e que teria a visita de um famoso “monsenhor”. Eu olhava e via um sorridente velhinho, de pouca altura, meio curvado, usando uma túnica marrom e que transmitia um sentimento de paz e bondade. Mas, o que as pessoas viam, era outra coisa. Talvez, estivessem vendo um santo homem responsável por diversas curas milagrosas, provavelmente, surgidas pela aposição daquelas mãos trêmulas e enrugadas, que todo mundo queria beijar. Era um verdadeiro “herói” religioso. Eu havia gostado dele, mas…
Acabada a celebração, ao ver muita gente com lágrimas nos olhos, virei para meu pai e perguntei: “pai, ele é mesmo um santo?”. Papai respondeu: “ainda não, meu filho, mas tá quase chegando lá…”. Pôxa, um cara quase santo, como podia?! Eu queria admirar aquele senhor, mas pra isso, eu precisava que ele fosse mais parecido comigo, menos distante, menos irreal. Coloquei aquela cabecinha pra pensar em uma forma de desbancar aquela tese de santidade absoluta. Pouco tempo depois, tirei da manga outra pergunta pro meu pai: “ele é quase santo, mas tira meleca, não tira, pai?!…”. Papai, entre o sorriso sem graça e a preocupação de saber se alguém tinha ouvido a minha pergunta, responde: “tira, meu filho, todo mundo tira”. Voltei aliviado pra casa, por saber que aquela figura podia ser admirada sim, afinal, limpando o nariz como eu, não haveria de ser tão santo como diziam.
A sociedade sempre precisou acreditar em heróis ou “santos” perfeitos. Homens transformados em ícones, cultuados por seu povo, como símbolo de orgulho e exemplo a ser seguido por todos. Homens como o americano Michael Phelps, que teve seu mundo virado pelo avesso, ao ser flagrado, em foto, fumando maconha no meio de suas férias. De maior herói olímpico de todos os tempos, pelos recordes e medalhas obtidos, o nadador se transformou em um vilão, principalmente pelo “péssimo” exemplo passado às criancinhas do mundo e, por isso, punido com três meses de suspensão pela federação norte-americana de natação, além de ter perdido seu principal patrocinador (Sucrilhos Kellogg´s), sob a alegação de que aquela imagem do atleta não mais condizia com a reputação da empresa. Quer dizer que, para a Kellogg´s, aquela imagem épica proporcionada por um Phelps com oito lindas medalhas de ouro pesando o pescoço serve, mas a do mesmo Phelps dando uma “relaxada pouco ortodoxa”, em suas merecidas férias, não serve?! Que sociedade hipócrita é essa em que vivemos!…
Ao contrário do que fez o ex-presidente americano Bill Clinton, se explicando que “fumou, mas não tragou!” (…talvez fosse até mais convincente se tivesse dito que “tragou, mas não fumou!”..rs…), o herói olímpico admitiu o seu “erro” e declarou que nunca mais cometeria outro vacilo, daquela natureza, além de dizer que aceitava ser punido, sim. Que merda! Um cara livre e independente, de 23 anos, ser pautado, dessa maneira invasiva e hostil, pela opinião pública. Por um instante, pensei que aquela atitude conformada e subserviente de Phelps, diante das duras sentenças que lhe foram aplicadas, pudesse realimentar a odiável imagem daquele herói perfeito e proibido de errar. Fiquei triste, pois nunca consegui acreditar nesse tipo de herói, nem mesmo no tempo em que eu pendurava meias na janela, a espera do presente de Natal. Uma pena que alguém tão real como Phelps, precise de uma execração pública exemplar, para que a sociedade possa aceitá-lo novamente, pelos valores que já demonstrou ter. Dormi com isso martelando a minha cabeça.
Mas, hoje de manhã, na cozinha, minha ficha caiu! Agora, acho que já entendi o que Phelps quis dizer quando disse que nunca mais daria aquele vacilo. Espero que ele esteja se referindo ao vacilo de ter se deixado fotografar, em momento tão pessoal. Espero que esteja ciente quanto aos cuidados que deverá passar a ter, daqui pra frente, quando estiver de férias e cuidando de sua vida íntima, bem humana e errante, como para mim, todo verdadeiro herói deveria ser. De heróis de carne e osso é que a humanidade precisa.
Mais tranquilo, depois disso, resolvi até me intrometer na escolha do cardápio para o café da manhã das crianças. Fui correndo à despensa para buscar o que interessava e, principalmente, para esconder o pacote de sucrilhos, bem atrás do forno de microondas. Achei que seria um ótimo dia para que melhorassem seus hábitos alimentares no desjejum. Hoje, eles vão passar a conhecer a delícia que é aveia Quaker, amassada com banana.
Se uma pessoa comum seria punida por ter sido flagrada usando drogas, porque não uma famosa, cujo exemplo, comportamento, modo de vestir, modo de falar, etc….influenciam muitas pessoas? Do contrário, não se estaria usando de dois pesos e duas medidas? Ou ainda, não se estaria fazendo apologia ao uso de entorpecentes? Como além de blogueiro você também é advogado, deveria saberia disso, não!?