Lições de ídolo

Uma de minhas boas lembranças da infância era a de meu pai, no café da manhã, vestido com um impecável terno, dividindo sua atenção entre o pão com manteiga e a sagrada leitura do jornal, enquanto mexia de forma ritimada, o seu café com leite. Lembro da segurança e da tranquilidade que aquela imagem me passava. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Enquanto via a cena, era impossível deixar de pensar: quero ser igual a ele.

Não sei quantas vezes, ao longo de minha vida, me vi agindo como meu pai. Não posso afirmar, exatamente, qual grau de influência a sua figura exerceu sobre as minhas escolhas, mas reconheço a enorme importância de termos alguém em quem nos espelhar, dentro ou fora de casa.

No esporte, esta premissa parece óbvia demais. Uma juventude sem ídolos, não consegue ser impulsionada por exemplos e, assim, tem poucas chances de gerar bons frutos, ou seja, craques que venham a se tornar novos ídolos, no futuro.

E foi sob a admiração de seus mais inesquecíveis ídolos que o esporte brasileiro ganhou destaque no cenário mundial. Fico pensando o bem que Pelé, Zico, Ayrton Senna, Oscar, Guga e tantos outros fizeram ao imaginário de inúmeras crianças que tiveram a felicidade de optar pelo esporte, a trilhar pelo amargo caminho das ruas, tudo por conta do amor que tinham por seus ídolos.

No âmbito profissional, não é diferente! Foram muitos os profissionais que figuraram em minha lista de exemplos a seguir. Tanto no aspecto técnico, ético e humano, tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos daqueles que hoje, sem dúvida, considero meus ídolos da profissão.

Na área contábil, o maior deles foi Antônio Lopes de Sá. Um gênio das ciências contábeis e da humildade, que lia meus artigos e dizia: “…Parabéns! Você tem muito talento. Continue assim mas, antes, vamos rever alguns conceitos…”. E aí ele, ao seu jeito, sugeria mudanças no meu texto, de uma maneira tão peculiar que, mesmo sendo corrigido, me fazia ficar feliz da vida!…

Certa vez, no início de minha carreira, conheci Elmo Lopes da Cunha. Respeitado contador e advogado que gostava muito de ajudar os colegas, dando a sua interpretação da lei, pela facilidade maior que tinha com a hermenêutica. Ele era “perseguido” e admirado por todos. Pensei: “…preciso colar nele. Quero ser assim também…”. E, depois, ainda vieram Itamar Silva, José de Lima e tantos outros que dividiram comigo sua experiência e sua amizade.

No direito, também foram muitos os meus exemplos. Lembro do inesquecível Milton Murad que, com sua tenacidade e perspicácia, dava respostas inimagináveis aos problemas que a ele eram apresentados. Também aprendi muito com Oswaldo Bergi. Figura simples e carismática, de jeito manso e que ensinava com exemplos. Mais tarde, veio a se transformar em sinônimo de “direito tributário”, especialidade com a qual até hoje, ganho a vida.

Posso dizer, sem medo de errar, que o sucesso profissional de uma pessoa que não possua ídolos, é muito mais difícil. Da mesma forma, em uma visão mais ampla, reside aí a grave crise de identidade que hoje vive o Brasil. Afinal, não se pode esperar muito do desenvolvimento social e humano de um cidadão que não teve bons exemplos a seguir nem de seus familiares e, muito menos, de seus governantes.

Mas, voltando ao profissional, por ironia da vida, muitos anos depois, acabei sendo agraciado com as Comendas “Elmo Lopes da Cunha” e “Itamar Silva”, as mais altas honrarias capixabas que um profissional da contabilidade poderia desejar. Aqueles que foram meus ídolos e amigos do passado, se eternizaram na estante de meu escritório, como reconhecimento pelo trabalho à classe.

Hoje, quando alguém me pergunta o que deve fazer para ter sucesso profissional, eu nem hesito e vou logo dizendo: primeiro, trate de arrumar alguns bons exemplos para ter em quem se espelhar e, depois, leve muito a sério os estudos.

O exemplo ainda é a melhor forma de ensinar e de formar uma pessoa. Ainda tenho muito a aprender e ídolos a seguir. Mas, pelo que a vida já me deu, sou grato a todos que, direta ou indiretamente, me influenciaram para que eu chegasse até aqui. Em especial, ao meu pai que, mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de ver o que fez por mim, deixou a sua marca indelével na essência de tudo que faço.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 1, MAIO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

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As contas eleitorais

Não há democracia madura sem um processo eleitoral transparente e confiável. Tem sido esta a tendência demonstrada com o endurecimento nas regras impostas para a prestação de contas eleitorais, nos últimos pleitos.

E os rigores parecem aumentar ainda mais quando três “pesos pesados” se unem em torno desta questão. Pela lisura eleitoral têm trabalhado em uníssono o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB).

Um comemorado consórcio a partir do qual foi gestada a Resolução nº 23.406/2014 em que o TSE apresentou inovações que deverão nortear a arrecadação de recursos de campanha, a destinação dos gastos e a forma de prestar contas, com o objetivo de coibir ilícitos e reduzir possíveis diferenças provocadas pelo exagerado uso do poder econômico.

Agora, a prestação de contas só será validada se tiver sido “contabilizada” por profissional da contabilidade que, ao final, assina em conjunto com o candidato. Como fazem os Fiscos há anos, os Tribunais Regionais Eleitorais poderão experimentar grande economia de trabalho, que só é possível quando alguém vocacionado a prestar contas se responsabiliza pelo processo.

Igualmente acertado, a partir de então, candidatos e partidos deverão constituir advogados para que os representem judicialmente nos processos de prestação de contas partidárias e de campanha, cujo exame por parte do Estado assume caráter jurisdicional.

Todavia, talvez mereça atenção e cuidado um dispositivo na norma que prevê quebra de sigilo bancário e fiscal de candidatos, partidos, doadores e fornecedores, na hipótese de “indício” de ilegalidade. Parece claro o caráter abusivo de tal premissa uma vez que relativizar um direito fundamental, não contribui em nada para a construção de um Estado Democrático de Direito.

No geral, entretanto, combinadas à Lei “Ficha Limpa” (Lei complementar nº 135/2010), as ferramentas de fiscalização e controle do processo eleitoral brasileiro se aperfeiçoaram, ganhando contornos de credibilidade com a honrosa participação de contadores e advogados.

Mas, apesar de tudo isso, para avançar, o Brasil ainda continuará dependendo da consciência do eleitor na hora voto, cuja tarefa será garimpar um representante que tenha conseguido se destacar, imune às repugnantes práticas eleitorais que ainda vigoram neste país.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 30 de julho de 2014

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Política para quem precisa de política

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Hoje de manhã, no prédio onde trabalho, encontrei mais uma vez com o Sr. Rubens. Ele foi um grande amigo de meu pai e exerce, até hoje, a profissão de dentista. Apesar da avançada idade, consegue nos transmitir o impagável exemplo de continuar atendendo, diariamente. Perdi as contas de quantas vezes dei “bom dia” ao Sr. Rubens, nestes últimos 15 anos. E, contrariando as regras de conversa entre vizinhos, ele raramente falava do tempo, mas sempre trazia assuntos novos, ainda que fossem histórias antigas de meu pai, que eu não poderia saber, sem a ajuda de quem com ele conviveu na juventude.

Foi Sr. Rubens que, há muito tempo atrás, me deu conselhos, quando eu lhe disse que estava começando a frequentar reuniões de meu sindicato. Isso foi lá, bem no começo. Ele não hesitou em rechaçar a idéia e sempre que tinha a oportunidade, tentava me doutrinar: “…larga isso, meu filho! Vai cuidar da sua vida, da sua carreira. Use o seu tempo pra você ganhar seu dinheirinho e ficar independente. Sindicato é roubada, saia enquanto é tempo!….“. Quando eu ouvia isso, eu só sorria. Era como se fosse um tímido e silencioso pedido de desculpas. Lamento, Sr. Rubens mas, naquela altura, eu já havia tomado a minha decisão.

Contrariei aqueles conselhos e, por isso, desde o início de minha vida profissional, atuando no segmento de contabilidade, auditoria, perícias e consultoria empresarial, pude dar a minha colaboração a entidades de classe e a órgãos fiscalizadores da profissão (Sindicatos e Conselhos). Quando o comum é que o interesse por estas entidades surjam somente em profissionais mais velhos e experientes, comigo foi bem ao contrário. Recém formado, eu já participava de ciclos de debates e opinava nos rumos da profissão contábil capixaba.

Neste período inesquecível, aprendi a negociar com poderes públicos questões de interesse de nossa classe. Aprendi a respeitar a opinião, mesmo de minorias, ainda que eu pudesse discordar de seu conteúdo. Tive a oportunidade de conhecer por dentro o funcionamento dos órgãos públicos e como eles nos afetavam. Estávamos, por obrigação de ofício, destinados a conviver e negociar com políticos. Pouco tempo depois, me vi na presidência de um sindicato patronal, orgulhoso da missão, mas muito consciente da responsabilidade que tinha pela frente. Daí a apresentar propostas de trabalho e ouvir as reivindicações de nossos pares, foi um pulo para eu me dar conta de que o que eu estava fazendo chamava-se política. Continuar lendo Política para quem precisa de política