Pátria do Impeachment

Em 1992, a democracia brasileira deu um importante passo para o reconhecimento mundial, ao promover o primeiro processo de impeachment presidencial de nossa história. Fernando Collor de Mello era condenado à perda de seu mandato, tendo assumido seu vice, Itamar Franco.

Vinte e três anos depois, embora em momentos políticos absolutamente distintos, parece estarmos diante de um anunciado déjà vu. Neste 02/12/2015, o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, informou o acolhimento de um dos mais de trinta pedidos de abertura de processo contra a Presidente Dilma Roussef, protocolados naquela Casa de leis.

Previstos pela Constituição Federal e por normas infraconstitucionais (Lei nº 1.079/1950) os crimes ditos de responsabilidade, quando cometidos pelo Presidente da República, ensejam o impeachment. Todavia, para a abertura do processo serão ainda necessários 342 votos dos deputados, do total de 513 componentes. Passada esta etapa, o processo será julgado pelo Senado Federal e decidido por um mínimo de 54 votos, de um total de 81.

Ocorre que pelos fundamentos legais deste processo, perpassam sérias crises política, econômica e de confiança. A volta da inflação e a notícia de diversos escândalos de corrupção e pilhagem descarada do erário (lava-jato) envolvendo valores nunca antes vistos, vêm reduzindo a popularidade do governo federal à cifra de apenas um dígito. O país parece estar em desgoverno e em lamentável agonia!

Apesar da defesa governamental de que se trata de um artifício para destituir, ilegalmente do poder, um governante que lá chegou, democraticamente pelo voto popular, juridicamente, impeachment não é golpe.  Se comprovada a improbidade administrativa desenhada pelas pedaladas fiscais que resultaram em déficit orçamentário de mais de R$ 100 bilhões, estaria configurado o crime apontado pela Contabilidade Pública.

Parece mesmo ser a nossa sina, que os mais relevantes acontecimentos políticos deste país costumem ocorrer por processos traumáticos e, em geral, desencadeados por “adoráveis” anti-heróis. Estes personagens de reputação duvidosa que, por motivação pessoal ou política, resolvem agir ou colocar a boca no trombone, promovendo uma radical mudança no eixo da história. Foi assim com PC Farias, Pedro Collor de Mello, Roberto Jefferson e, agora, o também ameaçado Cunha.

O final ainda é desconhecido, mas o início deste processo criou a possibilidade de que o apelo das ruas possa ser confirmado e que o país volte a avançar.

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 03 de dezembro de 2015

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Lições de ídolo

Uma de minhas boas lembranças da infância era a de meu pai, no café da manhã, vestido com um impecável terno, dividindo sua atenção entre o pão com manteiga e a sagrada leitura do jornal, enquanto mexia de forma ritimada, o seu café com leite. Lembro da segurança e da tranquilidade que aquela imagem me passava. Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Enquanto via a cena, era impossível deixar de pensar: quero ser igual a ele.

Não sei quantas vezes, ao longo de minha vida, me vi agindo como meu pai. Não posso afirmar, exatamente, qual grau de influência a sua figura exerceu sobre as minhas escolhas, mas reconheço a enorme importância de termos alguém em quem nos espelhar, dentro ou fora de casa.

No esporte, esta premissa parece óbvia demais. Uma juventude sem ídolos, não consegue ser impulsionada por exemplos e, assim, tem poucas chances de gerar bons frutos, ou seja, craques que venham a se tornar novos ídolos, no futuro.

E foi sob a admiração de seus mais inesquecíveis ídolos que o esporte brasileiro ganhou destaque no cenário mundial. Fico pensando o bem que Pelé, Zico, Ayrton Senna, Oscar, Guga e tantos outros fizeram ao imaginário de inúmeras crianças que tiveram a felicidade de optar pelo esporte, a trilhar pelo amargo caminho das ruas, tudo por conta do amor que tinham por seus ídolos.

No âmbito profissional, não é diferente! Foram muitos os profissionais que figuraram em minha lista de exemplos a seguir. Tanto no aspecto técnico, ético e humano, tive a felicidade de conhecer e conviver com muitos daqueles que hoje, sem dúvida, considero meus ídolos da profissão.

Na área contábil, o maior deles foi Antônio Lopes de Sá. Um gênio das ciências contábeis e da humildade, que lia meus artigos e dizia: “…Parabéns! Você tem muito talento. Continue assim mas, antes, vamos rever alguns conceitos…”. E aí ele, ao seu jeito, sugeria mudanças no meu texto, de uma maneira tão peculiar que, mesmo sendo corrigido, me fazia ficar feliz da vida!…

Certa vez, no início de minha carreira, conheci Elmo Lopes da Cunha. Respeitado contador e advogado que gostava muito de ajudar os colegas, dando a sua interpretação da lei, pela facilidade maior que tinha com a hermenêutica. Ele era “perseguido” e admirado por todos. Pensei: “…preciso colar nele. Quero ser assim também…”. E, depois, ainda vieram Itamar Silva, José de Lima e tantos outros que dividiram comigo sua experiência e sua amizade.

No direito, também foram muitos os meus exemplos. Lembro do inesquecível Milton Murad que, com sua tenacidade e perspicácia, dava respostas inimagináveis aos problemas que a ele eram apresentados. Também aprendi muito com Oswaldo Bergi. Figura simples e carismática, de jeito manso e que ensinava com exemplos. Mais tarde, veio a se transformar em sinônimo de “direito tributário”, especialidade com a qual até hoje, ganho a vida.

Posso dizer, sem medo de errar, que o sucesso profissional de uma pessoa que não possua ídolos, é muito mais difícil. Da mesma forma, em uma visão mais ampla, reside aí a grave crise de identidade que hoje vive o Brasil. Afinal, não se pode esperar muito do desenvolvimento social e humano de um cidadão que não teve bons exemplos a seguir nem de seus familiares e, muito menos, de seus governantes.

Mas, voltando ao profissional, por ironia da vida, muitos anos depois, acabei sendo agraciado com as Comendas “Elmo Lopes da Cunha” e “Itamar Silva”, as mais altas honrarias capixabas que um profissional da contabilidade poderia desejar. Aqueles que foram meus ídolos e amigos do passado, se eternizaram na estante de meu escritório, como reconhecimento pelo trabalho à classe.

Hoje, quando alguém me pergunta o que deve fazer para ter sucesso profissional, eu nem hesito e vou logo dizendo: primeiro, trate de arrumar alguns bons exemplos para ter em quem se espelhar e, depois, leve muito a sério os estudos.

O exemplo ainda é a melhor forma de ensinar e de formar uma pessoa. Ainda tenho muito a aprender e ídolos a seguir. Mas, pelo que a vida já me deu, sou grato a todos que, direta ou indiretamente, me influenciaram para que eu chegasse até aqui. Em especial, ao meu pai que, mesmo sem nunca ter tido a oportunidade de ver o que fez por mim, deixou a sua marca indelével na essência de tudo que faço.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado na Revista “EKLÉTICA”, ano I, Nº 1, MAIO 2015 – Coluna “Atirei o pau no gato”.

(revistaekletica@gmail.com)

Artigo_Lições_de_Ídolo_Revista_Eklética_Maio__2015

 

A boa educação sumiu. Vamos reencontrá-la?

A educação está acabando. Como uma moribunda em seu leito de morte, a educação cívica sucumbe ao imediatismo, intolerância e falta de generosidade das pessoas.

Fico preocupado quando percebo que as coisas só passam a funcionar sob o manto da lei. A pessoa “fica” educada só porque uma lei assim determinou, sob pena de se ver obrigada a pagar uma multa.

Basta lembrar que antes da imposição legal, as pessoas fumavam em ambientes fechados, enfumaçando tudo, sem o menor constrangimento. Para não entrar no mérito de que o fumante passivo também tem a sua saúde ameaçada, me limito a dizer que o cheiro insuportável do cigarro, em roupas e cabelos, já justificaria a iniciativa própria do fumante em alimentar o seu vício bem longe de quem não fuma. Se não fazia assim era por falta de educação e, desta pecha, a lei bem que veio por lhe poupar.

Adoro cinema mas, confesso, ultimamente esta atividade tem sido uma incógnita para mim, dada a deseducação reinante em ambientes públicos. É um tal de gente falando alto (é…..conversando, mesmo!…), mastigando pipoca como se comesse um javali (vivo!) e pés bolinando impiedosamente a poltrona da frente, ou seja, a minha cabeça. Enfim, é toda uma sorte de incivilidades que mais parece uma gincana. Se você conseguir vencer todos estes obstáculos, vai ter a mínima chance de sentir algum prazer com a diversão principal: o filme.

E no trânsito, então! Uma amostra perfeita de quão grave é a doença que acomete a relação entre as pessoas. Tirando os xingamentos usuais, dirigindo um carro você terá a oportunidade de ver gente ultrapassando pelo acostamento, desrespeitando ordem de chegada, ignorando pedestres e furando sinal vermelho, fortalecendo a ideia de que nos tempos atuais, mais tem valido o “eu” do que o “nós”.

Agrava ainda mais este contexto, a crise moral que vivem algumas de nossas principais instituições, reduzindo a pó as poucas chances que ainda tínhamos de multiplicar atitudes positivas e saudáveis, com base em bons exemplos. Homens públicos, de há muito, transfiguraram o real significado de “conduta ilibada”, “decoro”, “coisa pública”  e “honestidade”.

Parece não estarmos diante de um dos melhores momentos da sociedade brasileira. Talvez, o mais indicado seja parar, pensar e preparar um recomeço em que frases como “bom dia”, “por favor” e “muito obrigado” possam voltar a ocupar lugar de destaque.

 

* Haroldo Santos Filho é advogado e contador.

** Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 31 de outubro de 2013

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Democracia, pesquisa e voto

Parece que foi ontem que brasileiros idealizadores de um país livre e democrático, em guerra contra o poder, pagaram o preço da mudança. Hoje, graças a isso, podemos celebrar a cada dois anos, a festa da democracia, ao escolhermos nossos representantes do executivo e do legislativo, sob os olhos atentos de uma imprensa livre.

Nossa democracia, no entanto, parece viver o desconforto do limbo. Não tem mais o cheiro e a inocência de um recém-nascido, mas também não apresenta a necessária maturidade, deixando à mostra fragilidades viscerais. Dos vários vilões que contribuem para isso, ocupam destaque a nefasta desigualdade socioeconômica e o analfabetismo funcional de boa parte de nosso povo. Com eles, não há democracia saudável.

Esta peculiar realidade é que deveria pautar as pesquisas de intenção de voto, sob pena de acabarem protagonizando resultados, ao invés de apenas medi-los. É o famigerado voto útil que pode, sem dúvida, induzir incautos a trilhar pelo caminho apontado como mais próximo de vencer. Afinal, para muitos, teria algo mais terrível do que “perder” o seu voto?

Desde 1945, quando o Brasil viu a sua primeira pesquisa eleitoral publicada (IBOPE), nunca, este instrumento foi tão utilizado como ferramenta de marketing político e norteador de apoios, coligações e interesses partidários como presenciamos nos dias atuais. Um ótimo motivo para que se regulamentem as técnicas empregadas nas pesquisas de opinião em nosso país.

A importância e a utilidade de uma pesquisa publicada na mídia justificam, por si só, que ela tenha características científicas, cuja metodologia possa afastar construções interpretativas comprometedoras de uma pacífica escolha cidadã. Aí merecem especial atenção as altas e inconcebíveis margens de erro (4%) e a escolha não aleatória das amostras. A quinze dias de um pleito, por exemplo, também deveria ser proibida a publicação de pesquisas com margem de erro superior a 1%. Aumento de custos? Quem disse que zelar pela democracia é barato?

Trata-se de uma excepcional oportunidade para que institutos de transparência independentes possam chamar para si a responsabilidade de gerarem pesquisas eleitorais científicas e inquestionáveis. O atual momento brasileiro é especial e uma rara oportunidade para avançarmos, deixando para trás ranços que ainda seguram o crescimento desta nação.

* Artigo de opinião publicado no jornal “A Gazeta”, em 08 de novembro de 2012