Política para quem precisa de política

mosca_azul

Hoje de manhã, no prédio onde trabalho, encontrei mais uma vez com o Sr. Rubens. Ele foi um grande amigo de meu pai e exerce, até hoje, a profissão de dentista. Apesar da avançada idade, consegue nos transmitir o impagável exemplo de continuar atendendo, diariamente. Perdi as contas de quantas vezes dei “bom dia” ao Sr. Rubens, nestes últimos 15 anos. E, contrariando as regras de conversa entre vizinhos, ele raramente falava do tempo, mas sempre trazia assuntos novos, ainda que fossem histórias antigas de meu pai, que eu não poderia saber, sem a ajuda de quem com ele conviveu na juventude.

Foi Sr. Rubens que, há muito tempo atrás, me deu conselhos, quando eu lhe disse que estava começando a frequentar reuniões de meu sindicato. Isso foi lá, bem no começo. Ele não hesitou em rechaçar a idéia e sempre que tinha a oportunidade, tentava me doutrinar: “…larga isso, meu filho! Vai cuidar da sua vida, da sua carreira. Use o seu tempo pra você ganhar seu dinheirinho e ficar independente. Sindicato é roubada, saia enquanto é tempo!….“. Quando eu ouvia isso, eu só sorria. Era como se fosse um tímido e silencioso pedido de desculpas. Lamento, Sr. Rubens mas, naquela altura, eu já havia tomado a minha decisão.

Contrariei aqueles conselhos e, por isso, desde o início de minha vida profissional, atuando no segmento de contabilidade, auditoria, perícias e consultoria empresarial, pude dar a minha colaboração a entidades de classe e a órgãos fiscalizadores da profissão (Sindicatos e Conselhos). Quando o comum é que o interesse por estas entidades surjam somente em profissionais mais velhos e experientes, comigo foi bem ao contrário. Recém formado, eu já participava de ciclos de debates e opinava nos rumos da profissão contábil capixaba.

Neste período inesquecível, aprendi a negociar com poderes públicos questões de interesse de nossa classe. Aprendi a respeitar a opinião, mesmo de minorias, ainda que eu pudesse discordar de seu conteúdo. Tive a oportunidade de conhecer por dentro o funcionamento dos órgãos públicos e como eles nos afetavam. Estávamos, por obrigação de ofício, destinados a conviver e negociar com políticos. Pouco tempo depois, me vi na presidência de um sindicato patronal, orgulhoso da missão, mas muito consciente da responsabilidade que tinha pela frente. Daí a apresentar propostas de trabalho e ouvir as reivindicações de nossos pares, foi um pulo para eu me dar conta de que o que eu estava fazendo chamava-se política.

Foi bem assim que descobri que gostava daquilo. E, gosto até hoje! É a “maldita” mosca azul. Sentia prazer em conseguir realizar coisas com o poder que a mim foi confiado. Com isso, aflorava, a cada dia, a vontade e a necessidade de ampliar os horizontes da minha área de atuação política. A política sindical ou de classe, mostrou-se como uma ótima escola para a política partidária, que viria a ser minha próxima parada.

Em 2002, depois de muito pensar e de ouvir muitos aconselhamentos dos “padrinhos” políticos que me adotaram, finalmente, havíamos gestado o embrião do que parecia ser uma candidatura, a deputado estadual. As minhas andanças pelo Estado, por interesse da classe, juntamente com a minha inocente, mas enorme crença no mais puro e romântico ideal político, pareciam ser, naquele momento inicial, a minha única “vantagem competitiva”. Seria a candidatura de um técnico de formação que via na política uma forma nobre de representar o interesse de muitas pessoas.

Só tem que as coisas nem sempre acontecem como planejamos e, no dia do registro da candidatura, nas últimas horas, na sede do partido, eu sou chamado pelo presidente regional da sigla, para uma urgente reunião a portas fechadas. Havia algo de errado!…Enquanto muita gente com mandato estava do lado de fora, me era apresentada uma pequena  “mudança nos planos”, como forma de “amenizar problemas surgidos”. Em alguma outra oportunidade posso até detalhar, mas o fato é que tomando para mim a responsabilidade inglória de cumprir o que foi denominado de “missão partidária”, eu acabei aceitando o encargo a mim oferecido pela direção do partido. Na verdade, fui convencido de que aquela tarefa não poderia ser executada por outra pessoa. Com isso, eu enterrava a minha humilde e até despretensiosa candidatura à Assembléia Legislativa (…sem chances…valeria pela experiência…) e a trocava por uma napoleônica e inusitada candidatura ao governo do estado.

Foi desse jeito o meu batismo, nas urnas! Uma pedreira! Ou seria fácil, na concepção de alguém, um técnico, neófito na política, enfrentar um senador e um ex-governador em debates abertos, sem o risco de cair no ridículo? Foi assim, em águas turbulentas e inconstantes, para a surpresa de muitos, que a impensada candidatura foi levada a termo, aos trancos e barrancos, sem dinheiro, sem apoios e com uma medida judicial debaixo do braço, responsável por manter no ar minha propaganda. No final da contagem, dos sete candidatos que concorriam ao governo do estado, o meu nome aparecia em terceiro lugar, com mais de 30 mil votos. Só havia aceitado fazer parte daquela eleição, naquelas condições, para propagar a suposta “nova cara” do partido e direcionar a campanha para o lado mais institucional, com a condição sine qua non de que eu poderia ir para a rua e pedir votos, ainda que eu pudesse parecer só mais um folclórico maluco beleza. Era a minha única chance de mostrar dignidade numa situação esdrúxula como aquela.

Pela minha postura (para muitos, de pura teimosia), após as eleições, a minha vocação técnica se reapresenta, facilitando a minha ocupação de espaços políticos a que fui convidado a participar. Foram secretarias, subsecretarias e tantos outros cargos de confiança da administração pública. Conheci muita gente. Fiquei sabendo de muita coisa. Aprendi de montão. Aproveitei todas as oportunidades que vieram como consequência daquela acidentada e sofrida candidatura.

Um belo dia, a minha relação com a política azedou. Como acontece em alguns casamentos, a gente só consegue enxergar as coisas ruins, os desconfortos, as desvantagens, as desilusões e as incertezas. Comecei a sentir falta de ter meus finais de semana com a família, tantas vezes, substituídos por inaugurações, recheadas de longos, vaidosos e cansativos discursos. Cansei de reuniões com a comunidade. Cansei de tapinhas nas costas. Cansei de ser obrigado a prometer algo que eu tinha certeza cartesiana de que não se realizaria por mera falta de verba ou de prioridade. Cansei de ter meus planos de trabalho sendo cobrados e fiscalizados por uma centena de “patrões” populares. Cansei das reuniões infindáveis que pouco resolviam. Cansei de precisar licitar um alfinete hoje, pra poder usá-lo daqui a um ano, se eu desse sorte. E assim, do mesmo jeito que entrei para a política, decidi sair dela. Com a independência de quem se manteve limpo por todo o tempo que ocupou cargos públicos. Não houve ingratidão. Não houve mágoas. Eu só precisava desse tempo…

Desde a decisão de sair da política, voltei a ser meu único patrão, na iniciativa privada. Que espetáculo! Voltei a tomar decisões por minha conta e risco. Reintroduzi em minha vida, antigos hábitos perdidos tais como correr, fotografar, escrever, estudar, ler, reunir amigos (sem ouvir reclamação sobre IPTU, Vital ou Jesus Vida Verão), namorar mais com a esposa, sair mais com os filhos e cuidar de mim. Hoje, quando vejo um político numa tarde ensolarada de sábado, numa inauguração ou numa reunião de bairro, fico arrepiado só de me imaginar naquela cena e me perguntando: “…será que esse cara gosta mesmo de estar fazendo tudo isso?!…”

Mas, não posso negar: a decisão é sempre muito difícil, pois a política te impregna a tal ponto de você chegar a pensar que é dependente dela para viver. Mesmo que você tente se livrar dela, ela sempre encontra um meio de permanecer de forma indelével, presente em sua vida. Quero crer eu que, para sempre!

O importante é que estou em paz!….Mas, nunca mais serei o mesmo depois de toda esta experiência. Aliás, quem também nunca mais foi o mesmo comigo, depois disso, foi o Sr. Rubens. Desde que saí candidato, em nossos encontros fortuitos, passou a não haver mais aquela diversidade toda de assuntos. Hoje mesmo, o elevador ainda nem havia fechado a porta, quando ouvi aquela vozinha mansa, quebrar o silêncio, repetindo aquele mantra que tem me perseguido desde 2002: “quando é que você vai se candidatar de novo, meu filho? Você foi tão bem.Votei em você, sabia?!...”. Exatamente como ocorreu no passado, com o próprio Sr. Rubens, eu me limito a sorrir, mas, desta feita, com a serena certeza de que o futuro a Deus pertence.

HSF

Publicado por

Haroldo Santos Filho

Advogado, contador, consultor de empresas, especialista em processo civil e direito tributário, mestre em administração, gosta de viagens, fotografia, cinema, corrida e tênis

8 comentários em “Política para quem precisa de política”

  1. Haroldinho, gostei muito de seu blog. Gostei mais ainda desta matéria aqui. Como eu já t disse outras vezes, vc é foda, cara! Comé que Max Filho deixou vc escapar isso a gente não sabe, como!? Foi uma pena pra V. Velha. Você como Secretário se mostrou mais do que competente. Isso, dito por quem já era seu fã, não vale né! hahaha….tudo de bom. boa sorte!

  2. Como Max Filho, deixou escapar?! Oras, como fez isso com todos que pensavam e passavam por sua equipe. Nem pai nem filho gostavam de sombra e ficavam com nítido medo de deixar alguém se destacar de seu grupo. O resultado é que nunca elegeram nem um vereador (nem o proprio irmão do Max velho). Era só eles e mais ninguém….agora estão aí isolados…..Vc fez bem em ir cuidar de sua vida profissional. Parabéns.

  3. Por falar nisso…..quando é que vc pretende voltar pra política? rs

  4. Secretário, você está fazendo falta na Secretaria de Habitação de Vitória. Mas, para quem, como eu, trabalha os interesses mais básicos e essenciais de comunidades que ficaram excluídas de tudo, ouvir que alguém que esteve conosco “cansou de se reunir com as comunidades” não é nada bom. Isso parece ser tão decepcionante quanto ouvir que aquele político que sempre se admirou é desonesto. De uma certa forma isso também não é uma forma de nos enganar?

  5. Quando te vi subindo morro no meio du maior temporal e ouvindo aquela gente pobre e dando algum conforto pra elas pareceu que vce tinha conseguido superar aquele seu perfil burguês, privilegiado que a sorte lhe beneficiou. Ficava admirado como um cara inteligente e competente como você tava fazendo na política quando podia tá ganhando muita grana na iniciativa privada. Coisa rara. Achei mesmo voce uma pessoa diferente. vc desapontou muita gente simplesmente dando um tchau para quem te admirava. me enganei com vc. mas a culpa nao e´sua é nossa.

  6. Olá Washington!

    Espero que esteja bem.

    Folgo em saber que, enfim, você percebeu e conseguiu melhorar o nível de seu comentário, de forma a possibilitar que eu o autorizasse. Sempre que quiser expressar sua opinião, ainda que de forma mais crítica, fique à vontade para fazê-lo, desde que utilize um conteúdo menos odioso (como nas duas primeiras mensagens – as barradas no baile!).

    Bom, não sei se você é o Washington que estou pensando, portanto, isso limita a minha resposta. De toda forma, agradeço pela sua participação e por ter usado o termo “burguês”. Foi bom revê-lo. Havia muito tempo que não tinha contato com ele.

    Quanto ao que você pensa sobre o meu afastamento da política, só posso lamentar que isso o tenha desapontado. Só achei que era o momento de procurar outras opções de realização profissional e pessoal.

    Mas, o que me deixa realmente mais confortável é que, as pessoas que efetivamente dependiam de mim ou que tinham uma ligação direta com o meu trabalho, por onde quer que eu tenha passado, não se desapontaram, não! Ao contrário! Todas me deram muito apoio, pois sempre viram a minha sincera preocupação com elas, enquanto a nossa relação durou.

    Como diria Vinícius: “que seja eterno enquanto dure”. Acho que foi isso que aconteceu…

    Fique na paz, Washington. Abração.
    HSF

  7. Olá Teresinha!

    Fui sincero quando estive trabalhando na secretaria e fui sincero ao dizer que “cansei” de reuniões em comunidades. É a verdade. Acho que as pessoas deveriam preferir que se haja assim: falando a verdade.

    E outra: cansar, em si, nada quer dizer. Não pode e não deve ser tomando como algo ofensivo, por favor. Não cansei de “pessoas”, somente da função.

    Mas, como disse: “o futuro a Deus pertence”. Quem sabe as coisas não possam mudar depois de uma boa e longa descansada, não é mesmo!?

    Abração.
    HSF

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